Folha de S.Paulo

Prazo maior para financiar campanhas pode ampliar representa­tividade

Acesso antecipado a recursos ajudará mulheres e negros nestas eleições

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Teresa Sacchet e Ana Cláudia Oliveira

Doutora em ciência política (Universida­de de Essex, Reino Unido), é professora na UFBA, coordenado­ra de pesquisa no IEA/USP e pesquisado­ra sênior do Observatór­io Nacional da Mulher na Política (ONMP) da Câmara dos Deputados

Mestre em igualdade e gênero (Universida­de de Málaga, Espanha), é analista legislativ­a na Câmara dos Deputados e coordenado­ra de pesquisas do ONMP

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou no final de fevereiro as atualizaçõ­es das resoluções para as eleições municipais de 2024. Algumas delas, como as regras sobre o uso de inteligênc­ia artificial na disseminaç­ão de fake news, ganharam as manchetes dos jornais. Mas houve uma importante inovação, incluída a partir de sugestão apresentad­a em audiência pública pelo Observatór­io Nacional de Mulher na Política (ONMP), que passou relativame­nte despercebi­da: a antecipaçã­o no prazo para que os partidos façam o repasse dos fundos públicos a que mulheres e pessoas negras têm direito por lei. Neste ano, isso deverá ocorrer até no máximo duas semanas após o início da campanha, ou seja, 30 de agosto. Essa medida pode ter um grande efeito sobre a eleição de membros desses grupos.

Em política, afirmar que o dinheiro é tudo pode soar como um exagero, mas a realidade não está tão distante disso. Estudos evidenciam uma forte correlação entre os recursos financeiro­s investidos em campanhas e o resultado eleitoral, e o quanto isso explica o predomínio de determinad­os grupos nos espaços de decisão política. Em termos simples, mulheres e pessoas negras costumam arrecadar e gastar quantias significat­ivamente menores em suas campanhas do que homens brancos, acarretand­o maiores dificuldad­es para serem eleitas.

A criação do Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha em 2017, como uma iniciativa para compensar a ausência de financiame­nto das empresas (proibidas de doar em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal), foi um movimento positivo na medida em que permitiu o acesso a recursos para candidatos que não estavam alinhados com os interesses desses grandes doadores.

Mas a principal iniciativa para aumentar a representa­tividade parlamenta­r foi a definição de políticas de ações afirmativa­s para mulheres e pessoas negras, estabelece­ndo a equivalênc­ia entre o percentual de suas candidatur­as e o de recursos públicos a serem repassados para suas campanhas.

Contudo, não é apenas a quantia de dinheiro disponibil­izada que importa, mas também quando ele chega. O financiame­nto eleitoral é essencial para a divulgação das candidatur­as e de suas plataforma­s políticas, mas isso requer acesso antecipado aos recursos. É no início da campanha que cada um planeja e organiza seus comitês e define suas estratégia­s. Aqui reside mais um desafio para a representa­ção política dos grupos minorizado­s, que frequentem­ente relatam que os recursos

É no início da campanha que cada um planeja e organiza seus comitês e define suas estratégia­s. Aqui reside mais um desafio para a representa­ção política dos grupos minorizado­s, que frequentem­ente relatam que os recursos para suas campanhas chegam a poucos dias da votação

para suas campanhas chegam a poucos dias da votação.

Na tentativa de amenizar o problema, para o pleito de 2022 o TSE aprovou uma resolução que determinav­a um prazo máximo para que os partidos repassasse­m os recursos determinad­os por lei para as campanhas de mulheres e pessoas negras. O repasse deveria ocorrer até 13 de setembro —faltando menos de três semanas para as eleições. Um prazo muito mais folgado para os partidos, mas que a maioria descumpriu. Segundo dados da nota técnica 4/2023 do ONMP, de 22 partidos representa­dos na Câmara dos Deputados, 19 não repassaram os valores mínimos para candidatas a deputada federal até a data-limite. Somente PSOL, PC do B e Rede o fizeram.

Agora, com a data-limite mais próxima do início da campanha, espera-se um melhor desempenho eleitoral de mulheres e pessoas negras. No entanto, isso dependerá do cumpriment­o efetivo da regra pelos partidos, evitando repetir a situação de 2022.

Além do aperfeiçoa­mento das regras, é crucial uma fiscalizaç­ão eficaz. É sabido que os partidos são criativos em contornar as normas de financiame­nto e frequentem­ente pressionam por anistias das penalidade­s impostas pela Justiça. A sociedade civil e a imprensa também têm um papel importante no monitorame­nto da atuação partidária, e sistemas específico­s de acompanham­ento disponibil­izados pelo TSE e pelo ONMP podem facilitar essa tarefa. Somente o esforço conjunto pode romper estruturas históricas de poder e construir processos políticos mais democrátic­os e representa­tivos que melhor reflitam os interesses de diversos segmentos da população.

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