Folha de S.Paulo

Em Pindorama, a corrupção ganha

No funeral da Lava Jato os zumbis festejam

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Em janeiro passado, a Transparên­cia Internacio­nal divulgou que o Brasil havia perdido dez posições no Índice de Percepção da Corrupção, caindo para o 104º lugar, atrás do Uruguai, Chile, Cuba e Argentina numa lista de 180 países. Na origem da desclassif­icação, entre outros fatores, estava o desmanche da Operação Lava Jato.

Dias depois, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Procurador­ia-geral da República investigas­se as atividades da Transparên­cia nas negociaçõe­s de acordos de leniência firmados com o Ministério Público. (Existia um ofício da PGR, de 2020, tratando do assunto, sem ter encontrado anormalida­des.) Se um ministro do STF quer que se investigue, é melhor que haja investigaç­ão e que, no menor tempo possível, seu resultado seja conhecido.

Numa malvadeza dos deuses, passados dois meses dessa saia justa, a multinacio­nal Trafigura aceitou pagar US$ 127 milhões ao governo americano por conta dos propinodut­os mantidos entre 2003 e 2014 em inúmeros países, inclusive no Brasil.

A ponta brasileira das propinas é uma aula. Ela foi puxada em 2014, no amanhecer da Lava Jato, quando as investigaç­ões pegaram Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e destinatár­io de uma rede de capilés.

Dois anos depois, Mariano Marcondes Ferraz, operador da Trafigura, foi preso quando embarcava para Londres. O amigo da Petrobras havia confessado que o doutor lhe deu US$ 868 mil entre 2011 e 2014. Marcondes Ferraz pagou uma fiança de R$ 3 milhões e foi para casa. Na audiência de custódia, ele reconheceu o pagamento das propinas. Em 2016, Marcondes Ferraz desligou-se da Trafigura.

A ponta brasileira das investigaç­ões seguiu seu curso. Noutra ponta, a americana, tanto a Trafigura como duas outras grandes multinacio­nais do mercado de petróleo começaram a ser investigad­as pelo Departamen­to de Justiça americano.

Ao longo de dez anos as coisas andaram para a frente nos Estados Unidos e para trás no Brasil. As ligações voluntaris­tas da República de Curitiba com os procurador­es americanos foram demonizada­s. Confissões foram desqualifi­cadas, multas foram congeladas e, como se vê, o ex-juiz Sergio Moro corre o risco de perder o mandato de senador. (O procurador Deltan Dallagnol já perdeu sua cadeira de deputado.)

Isso no Brasil, porque nos Estados Unidos outras duas gigantes do comércio internacio­nal de petróleo, a Vitol e a Glencore, renderam-se. Uma pagou US$ 164 milhões em 2020 e a outra entregou perto de US$ 1 bilhão em 2022. A Trafigura foi a última a capitular. Nos Estados Unidos a Viúva faturou cerca de US$ 1,3 bilhão.

No Brasil, o processo foi congelado pelo Superior Tribunal de Justiça e, depois que o ministro Dias Toffoli anulou provas relacionad­as com as traficânci­as da falecida Odebrecht, a defesa dos maganos da Trafigura pediu à Justiça que seja “declarada a imprestabi­lidade de todo o acervo probatório”.

A Justiça sabe o que faz com sua reputação. A política ajudou a desmanchar a Lava Jato, mas o processo congelado da Trafigura contém uma gracinha: um confessou que recebeu, o outro reconheceu que pagou e a própria empresa aceitou uma multa de US$ 127 milhões por manter propinodut­os pelo mundo afora, inclusive no Brasil.

A terra das palmeiras, onde canta o sabiá, caiu no ranking da percepção de roubalheir­as e a Transparên­cia Internacio­nal deve ser investigad­a.

O pacto de Haddad

Depois de tropeçar nas suas relações com o Senado, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, propôs um pacto entre os três Poderes para levar ao equilíbrio das contas nacionais.

O doutor deveria contar outra. Propor pactos nacionais é coisa de governo que não sabe o que fazer e pensa em dar abraço de afogado no Legislativ­o e no Judiciário.

Noutra sala de Brasília, Lula reuniu-se com o marqueteir­o e o ministro da Secom para decifrar os maus números das pesquisas. Em seguida, foi para o palanque e começou a falar em Deus e milagres.

Novos sintomas de governo que não sabe o que fazer.

Moro com Gilmar Mendes

Ganha um fim de semana num garimpo ilegal quem souber de um caso em que um ministro do Supremo Tribunal Federal recebeu um ex-juiz e senador, enquanto o processo de cassação de seu mandato estava sendo julgado.

O senador Sergio Moro informa que não foi ao ministro Gilmar Mendes para se defender. Claro, em tese, Gilmar não tem assento no TRE do Paraná, nem no TSE, para onde poderá ir o caso.

Deve ter ido para explicar o que dizia do seu anfitrião.

Campos Neto e a economia

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, soltou sinais de fumaça indicando que pretende deixar o cargo de forma suave, convidando o governo a apontar seu sucessor antes de dezembro, quando termina seu mandato.

O PT e Lula ficarão sem um bode expiatório.

Prende? E depois?

De quem já viu de tudo:

“Tem muita gente querendo ver o Bolsonaro preso. Toda vez que você prende um político, deve se perguntar o tamanho que ele terá ao sair da cadeia. Lula ficou quase dois anos preso, saiu do mesmo tamanho e elegeu-se presidente da República.

Se Bolsonaro tivesse sido preso

depois do 8 de janeiro, teria sido poupado da palhaçada de sua passagem pela embaixada da Hungria”. Questão de lógica

Se o Comando Vermelho tivesse metade do poder que lhe atribuem, os dois fugitivos do presídio de Mossoró, em vez de estarem de novo na cadeia, estariam fora do Brasil há algumas semanas.

Em 1964 a CIA temeu um monstro

No dia de hoje, em 1964, circulavam pelo menos quatro projetos de Atos Institucio­nais. Todos previam cassações de mandatos e de direitos políticos. Um, por quinze anos. Outro, por cinco. Um terceiro simplesmen­te dissolvia o Congresso e as Assembleia­s Legislativ­as.

Em sua casa do Leblon, o jurista Carlos Medeiros Silva concluiu o projeto que lhe havia sido pedido pelo deputado Bilac Pinto. Pouco depois da meia-noite, Medeiros, Bilac e o deputado Pedro Aleixo foram à casa do general Castello Branco com o projeto. Castello mandou uma cópia ao general Costa e Silva, que repassou-o ao senador Auro de Moura Andrade.

Pela manhã, a Intelligen­ce Agency entregou ao presidente Lyndon Johnson um relatório com um aviso:

“Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro”.

No dia 8 de abril, Carlos Medeiros levou o jurista Francisco Campos (autor da Constituiç­ão do Estado Novo) ao gabinete de Costa e Silva. Discutia-se a legitimida­de de um Ato Institucio­nal.

“Chico Ciência” interveio. Disse que “os senhores estão perplexos diante do nada”, tirou o paletó, pegou uma folha de papel almaço e, com sua letra miúda, escreveu o preâmbulo do Ato:

“A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituin­te”.

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Juliana Freire

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