Folha de S.Paulo

Refugiados não deixariam território brasileiro rumo ao norte se tivessem mais oportunida­des

- Representa­nte da Agência da ONU para Refugiados no Brasil Davide Torzilli

Em uma série de reportagen­s especiais, a Folha mostrou in loco a dura realidade enfrentada por pessoas refugiadas e migrantes que se arriscam na perigosa travessia do Darién, entre a Colômbia e o Panamá, rumo ao norte do continente. Uma série primorosa, que alerta sobre os reais riscos de vida desta jornada insegura.

A certeza que temos pelo Acnur (Agência da ONU para Refugiados) é que, com maior acesso a oportunida­des de meios dignos de vida e facilidade de reunificaç­ão familiar, as pessoas refugiadas talvez não deixariam o Brasil. E, sabemos, o país tem muito a ganhar em inovação, diversidad­e cultural, saberes e desenvolvi­mento a partir das contribuiç­ões dessas populações.

Há mais de 730 mil pessoas em necessidad­e de proteção internacio­nal no Brasil –o que representa­ria a26ªmaiorc idade brasileira. São pessoas de mais 160 nacionalid­ades que trazem consigo muitos conhecimen­tos e experiênci­as que, assim como chegam, podem partir em busca de um sonho, mesmo que tendo de atravessar o pesadelo de Darién.

Como registrado no especial da Folha, com oportunida­des dignas de trabalho, mesmo esta minoria que sai do Brasil continuari­a aqui, empreenden­do junto ao futuro dos brasileiro­s.

Os solicitant­es de asilo que chegam ao Brasil são recebidos sob a proteção da Lei de Refúgio (9.474-1997), que considero um moderno instrument­o de garantia de direitos e que segue atual e necessária. Globalment­e, sabemos serem muitos os países que buscam restringir a entrada de quem foi forçado a se deslocar.

Na Lei de Refúgio brasileira está incorporad­a a Declaração de Cartagena sobre Refugiados, que este ano completa 40 anos. Esse instrument­o ampliou a definição de refugiado para contemplar quem foi forçado a se deslocar não apenas em função de perseguiçõ­es individual­izadas ou a determinad­os grupos, mas também em razão de grave e generaliza­da violação de direitos humano se/ ou violência generaliza­da no país de origem, a exemplo do que o Acnur entende ocorrer, hoje, no Haiti.

Entendo que a Declaração de Cartagena reflete solidaried­ade, responsabi­lidade compartilh­ada e inovação na busca de respostas e soluções para as pessoas forçadas ase deslocar. E posso dizer queées se compromiss­o que temos visto na resposta brasileira às pessoas em necessidad­e de proteção internacio­nal.

Diversos atores no Brasil têm trabalhado para assegurar que o país siga cumprindo com acordos internacio­nais e promovendo muitas boas práticas na proteção aos direitos das pessoas refugiadas.

Um exemplo prático e atual deste pr oc essoéareal­iz ação da 2ª Conferênci­a Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (Co migrar ), que está sendo implementa­da em mais de cem localidade­s brasileira­s, eque representa um marco de inclusão. Promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, esse processo de escuta e diálogo está mobilizand­o as comunidade­s refugiadas, migrantes e apátridas para discutirem políticas públicas que dialoguem com os seus anseios.

Da mesma forma, o Acnur tem mapeado mais de 40 organizaçõ­es lideradas por pessoas refugiadas emigrantes justamente para estar ainda mais próximo dos desafios que enfrentamp­ara que possamos buscar as soluções com elas, para elas.

E solucionar­a imprevisib­ilidade de contextos que envolvem guerras, violações de direitos e as consequênc­ias das mudanças climáticas no deslocamen­to de pessoas não é uma tarefa fácil, requerendo adaptabili­dade e recursos para seguirmos impactando positivame­nte a acolhida e integração dessas pessoas.

Ainda que notemos uma minoria de refugiados que aqui chegam e, por desafios de integração, decidem sair do Brasil, a sólida legislação brasileira e as políticas públicas em aprimorame­nto são capazes de garantir, cada vez mais, o acesso à proteção e a um recomeço digno.

Com a devida articulaçã­o de todos os setores, incluindo entes públicos, privados e sociedade civil, segurament­e os sonhos que almejam poderiam ser construído­s aqui. Para tanto, basta provermos as oportunida­des que gostaríamo­s de ter para nós mesmos. Isso é ter empatia.

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