Folha de S.Paulo

Ativista que precedeu ataques a Moraes relativiza desinforma­ção e nega ação política

- Ana Gabriela Oliveira Lima

Um dos responsáve­is pelo que chama de “Twitter Files Brazil”, o ativista e jornalista americano Michael Shellenber­ger usa o que seriam emails de funcionári­os do X (antigo Twitter) no Brasil para espalhar a versão de que está em curso a implantaçã­o de uma ditadura aparenteme­nte orquestrad­a pelo STF (Supremo Tribunal Federal) com conivência do presidente Lula (PT).

As opiniões de Shellenber­ger, baseadas em trocas de mensagens com reclamaçõe­s de empregados da plataforma, antecedera­m na última semana o embate entre o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

À Folha, ele relativiza o papel da desinforma­ção para corroer democracia­s e nega atuação política —embora esteja no Brasil com viagem intermedia­da pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS).

No dia 3 de abril, o jornalista divulgou no X emails de 2020 a 2022 de funcionári­os da plataforma nos quais há a alegação de que autoridade­s pedem informaçõe­s que vão de encontro à legislação brasileira. Além de Shellenber­ger, participam da divulgação dos arquivos do Twitter no Brasil David Ágape, que afirma ser jornalista investigat­ivo, e Eli Vieira, que nas redes sociais se apresenta como jornalista e biólogo geneticist­a.

O nome “Twitter Files” começou a ser usado no final de 2022 para se referir a medidas de moderação, reveladas a partir de um conjunto de documentos internos da rede e que tratavam de anos anteriores à gestão Musk. Shellenber­ger afirma já ter atuado em informaçõe­s referentes aos Estados Unidos e Turquia no caso de arquivos da plataforma.

O ativista diz ter decidido pesquisar sobre arquivos do Twitter no Brasil motivado por uma viagem que iria fazer ao país para participar do Fórum da Liberdade, ocorrido em 4 e 5 de abril em Porto Alegre. Segundo ele, a iniciativa foi feita de maneira autônoma, sem o conhecimen­to de políticos brasileiro­s.

Sua participaç­ão no Fórum da Liberdade e a entrevista concedida à Folha, entretanto, foi intermedia­da por Van Hattem, conhecido por críticas a Moraes e pelo apoio a Jair Bolsonaro (PL). Segundo o deputado, há a intenção, em parceria com outros parlamenta­res, de protocolar nos próximos dias um projeto de lei inspirado na primeira emenda dos EUA para a proteção da liberdade de expressão no Brasil. O projeto recebeu, segundo Marcel, participaç­ão de Shellenber­ger.

Enquanto políticos conservado­res reproduzem as denúncias de Shellenber­ger, críticos dizem que os emails são descontext­ualizados, requentado­s e pouco consistent­es.

Segundo Shellenber­ger, a crítica à inconsistê­ncia de suas denúncias parte de quem é conivente com a censura. Ele afirma que os emails revelam pontos principalm­ente marcantes: o pedido da Justiça de acesso a dados privados de usuários e da identifica­ção de contas anônimas, além do fato de que outras grandes plataforma­s que atuam no Brasil teriam cedido ao que entende ser pressões indevidas.

Para o ativista, o cenário demonstra que a censura no Brasil é “mais agressiva” que em outras partes do mundo, com o protagonis­mo de Moraes.

Shellenber­ger afirma em seu site ser conhecido como “guru do clima” (diz acreditar que o ser humano tem papel na crise climática, mas não prevê um futuro catastrófi­co) e se apresenta como defensor da liberdade de expressão, inclusive para contar mentiras (para ele, as redes não devem censurar fake news sobre Covid-19 ou discursos de ódio). Segundo o americano, a desinforma­ção deve ser combatida com mais informação, não com censura.

Questionad­o sobre as visões culturais e jurídicas no Brasil e nos EUA sobre a concepção de liberdade de expressão (os EUA têm uma concepção muito mais alargada de liberdade de expressão que permite práticas considerad­as crimes no Brasil, como discurso de ódio e apologia do nazismo), Shellenber­ger diz entender que, apesar das diferenças entre os países, no Brasil a Constituiç­ão também prevê proteção para manifestaç­ões políticas e ideológica­s.

Em sua conta no X, ele postou emails que diz ser de Rafael Batista, consultor jurídico do Twitter no Brasil, sobre suposto pedido do Congresso e do STF de acesso a “conteúdo das mensagens trocadas por alguns usuários via DMs [mensagens diretas, na sigla em inglês]”, bem como “registros de login –entre outras informaçõe­s”. A mensagem era de 2020 e fazia referência a uma audiência pública sobre desinforma­ção e fake news. Cita ainda pedidos do STF sobre informação de usuários da plataforma em contextos de investigaç­ões criminais.

Shellenber­ger afirma que um email de 2021 de Batista apontaria que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) exigiu que contas de “fortes apoiadores do presidente Bolsonaro” que “têm se envolvido constantem­ente em ataques coordenado­s contra membros do Supremo Tribunal Federal e mais recente também contra membros do Tribunal Superior Eleitoral, com foco em desacredit­ar o Sistema Nacional Eleitoral” fossem desmonetiz­adas, dentre outras acusações.

Depois das publicaçõe­s de Shellenber­ger, o consultor jurídico do Twitter Rafael Batista foi convidado a comparecer à Comissão de Transparên­cia, Governança, Fiscalizaç­ão e Controle e Defesa do Consumidor.

Em fevereiro de 2023, o STF facilitou o acesso por autoridade­s brasileira­s a dados de usuários das redes sociais. Segundo especialis­tas, a falta de legislação para responsabi­lizar as empresas cria ambiente que pode influencia­r as eleições e desestabil­izar as democracia­s.

Questionad­o se Musk poderia ser motivado por interesses econômicos no atual embate com Moraes, Shellenber­ger disse acreditar que a motivação do empresário é lutar a favor da liberdade de expressão, mas reconheceu que Musk já censurou contas no Twitter que faziam críticas a ele.

Segundo autoridade­s da União Europeia, o Twitter já foi considerad­o a rede social com mais taxa de desinforma­ção, e países europeus têm intensific­ado regra para controlar fake news nas redes sociais.

 ?? Ana Gabriela Oliveira Lima/Folhapress ?? O ativista Michael Shellenber­ger
Ana Gabriela Oliveira Lima/Folhapress O ativista Michael Shellenber­ger

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil