Folha de S.Paulo

Supremo decide que Estado deve indenizar vítimas de bala perdida em operações policiais

- Constança Rezende

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (11) que o Estado brasileiro deve ser responsabi­lizado, na esfera cível, pela morte ou ferimento de vítimas de balas perdidas decorrente­s de operações de segurança pública.

Na sequência, em outra decisão relacionad­a a casos de violência policial, a corte definiu que abordagens devem estar fundamenta­das em elementos objetivos, não sendo lícita a realização da medida com base em raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física.

No caso das balas perdidas, os ministros entenderam a perícia inconclusi­va sobre a origem do disparo fatal durante operações não é suficiente por si para afastar a responsabi­lidade civil do Estado. O ente federativo deve apresentar provas em situações eventuais que não se incluem na responsabi­lidade civil. A decisão foi tomada em um processo de repercussã­o geral, quando o julgamento de um caso incide em todos os processos relacionad­os ao tema no país.

No caso específico, o STF havia decidido que a União deveria ser responsabi­lizada pela morte de uma vítima de bala perdida em uma operação realizada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em 2015.

Na ocasião, houve um tiroteio entre traficante­s e militares do Exército, que à época ocupavam a área. A família pedia que a União e o Governo do Rio de Janeiro pagassem uma indenizaçã­o por danos morais, uma pensão vitalícia e despesas funerárias.

Os ministros já haviam decidido que a família da vítima deveria receber indenizaçã­o de R$ 500 mil, no mês passado, mas ainda precisavam definir a tese geral para outros processos relacionad­os. Taminfeliz­mente”, bém foi determinad­o o ressarcime­nto pelas despesas com o funeral e o pagamento de pensão vitalícia.

O presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que um dos pontos em aberto era que, às vezes, não se é capaz de determinar de onde veio o tiro, mas ficou definido que, se estiver havendo uma operação policial no local, há responsabi­lidade do Estado.

“Frequentem­ente, a perícia é capaz de determinar esta questão. Dentre outras coisas, por uma razão muito triste, a de que com muita frequência o armamento do crime é mais poderoso do que o da polícia, sobretudo pelo uso de fuzil,

afirmou.

O ministro Flávio Dino disse que a decisão do STF “é de altíssima relevância” porque estimula um planejamen­to adequado das autoridade­s para que o tiro a esmo não seja um método rotineiro. “As balas perdidas são inadmissív­eis porque elas não são perdidas, elas acham sempre os mesmos. Tiros de fuzis também atravessam paredes de casas, sobretudo, de moradias mais precarizad­as, infelizmen­te.”

Na outra decisão do dia, os ministros analisaram um caso específico para definir se provas colhidas pela polícia durante uma abordagem policial motivada pela cor da pessoa podem ser considerad­as inválidas. A corte decidiu que a busca pessoal sem mandado judicial deve estar embasada em critérios objetivos, como a posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito.

No habeas corpus em análise, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo sustentava que o auto de prisão em flagrante que resultou na condenação de um homem por tráfico de drogas é nulo, porque a busca policial foi baseada na cor da pele do suspeito. O homem negro foi preso com 1,5 g de cocaína.

Apesar de convergire­m no sentido de que o chamado perfilamen­to racial deve ser abolido da prática policial, a maioria entendeu que esse não foi o caso da abordagem concreta em exame. Ficou vencido, portanto, o entendimen­to do relator, Fachin.

Em seu voto, Barroso, afirmou que há um racismo estrutural no país que exige a tomada de posições em relação ao tema. “A prisão por 1,5 grama de cocaína é muito reveladora de um perfilamen­to que, se não for racial, pelo menos é social. É possível que em alguns lugares de Ipanema e de Leblon sejam mais suspeitos do que o bairro de Santa Teresa para este fim”, afirmou.

 ?? Guito Moreto - 9.jun.21/agência O Globo ?? Manifestaç­ão após a morte de Kathlen Romeu, vítima de uma bala perdida no Rio de Janeiro
Guito Moreto - 9.jun.21/agência O Globo Manifestaç­ão após a morte de Kathlen Romeu, vítima de uma bala perdida no Rio de Janeiro

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