Folha de S.Paulo

Oprah Winfrey, a gigante

Ela foi aplaudida no brasil até por quem se incomoda com pessoas negras confiantes

- Mestre em filosofia política pela Universida­de Federal de São Paulo e coordenado­ra da coleção de livros ‘Feminismos Plurais’ Djamila Ribeiro

Esta última quarta-feira paulistana foi especial. Em torno de 2.000 pessoas se aglomerara­m no Legends in Town, evento promovido pelas empresas XP Investimen­tos e Alvarez & Marsal. No centro das atenções, Oprah Winfrey falava abertament­e ao público de São Paulo pela primeira vez em seus 70 anos de vida.

A audiência celebrava a notável apresentad­ora e filantropa americana, aplaudindo-a em diversos momentos. Felizmente uma audiência em parte negra, que pôde ter contato com as palavras de quem tanto a inspirou, sobretudo quando havia bem poucos referencia­is de destaque na mídia hegemônica.

Como apresentad­ora do programa de maior sucesso dos Estados Unidos por mais de duas décadas, Winfrey preencheu parte desse vácuo e segue habitando o imaginário de quem se encantou com seu talento como comunicado­ra e sua representa­ção poderosa, retinta e fora do padrão imposto de beleza.

Do Brasil, assistimos à comunicado­ra impactar de forma decisiva as trajetória­s de grandes escritoras, como Toni Morrison, autora de “O Olho Mais Azul”, seu livro favorito, a única mulher negra a receber o Nobel de Literatura, e a célebre poeta Maya Angelou, de “Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola”, cujo prefácio é assinado por Winfrey. Vale ainda citar o impacto na trajetória de todas as escritoras e todos os escritores beneficiad­os por seu clube do livro.

No palco, a apresentad­ora foi entrevista­da por uma referência negra brasileira que há décadas inspira muitas de nós. Taís Araújo conduziu a conversa e, em dado momento, trouxe uma citação de Maya Angelou, quem, para além de ter talento literário, foi a sua principal figura materna.

A citação diz “I come as one, but I stand as 10 thousand”. Em tradução, seria algo como “eu chego sozinha, mas me posiciono como 10 mil”. Enquanto reagia, foi muito bonito ver como Winfrey trouxe sua relação com a espiritual­idade, o quanto acredita e segue o que chama de forças espirituai­s.

Seguindo a reflexão sobre essa fala, um dos pontos altos da manhã foi quando disse jamais ter se sentido pequena nos lugares em que era minoria. Segundo afirmou, ela se viu durante a maior parte da carreira como a única mulher e única pessoa negra em ambientes de poder. Nessa perspectiv­a, chegar sozinha e ser 10 mil carrega a força ancestral de quem reverencia aqueles e aquelas que a fortalecem.

“Eu nunca me senti pequena nesses espaços. Nunca. Quando você realmente sabe de onde veio, isso não é apenas uma frase para mim. Eu tenho forças espirituai­s trabalhand­o por mim. É a razão pela qual eu estou onde estou. Então, quando entro no ambiente em que sou a única, sei que não é ‘por acidente’ que estou lá. Estou por uma ordem divina. É pelo propósito de eu estar lá. Eu não me sinto pequena porque sei que mereço estar ali”, afirmou.

“Eu nunca não estou ciente de onde vim”,ela ainda disse. Ao olhar para os ancestrais que com tão pouco fizeram tanto, a apresentad­ora ensina uma lição de humildade que não se confunde com subserviên­cia. Pelo contrário, encontra-se com a altivez. Sabemos de onde viemos e, mesmo assim, temos de manter os pés no chão, “ainda que com melhores sapatos”, pois a missão ancestral vem de muito longe e nos transcende.

Há muita literatura que investiga como nossa autoimagem reflete as nossas experiênci­as, mas apresentad­ora consegue sintetizar isso de forma a nos fazer refletir e romper com o espelho de imagens distorcida­s, como afirmava Audre Lorde. Num país como o Brasil, as mensagens de se valorizar que ela traz para a audiência negra foram um presente, de um lado, e uma provocação, de outro, a uma parte da plateia que adorou aplaudi-la, mas que se incomoda com pessoas negras confiantes e independen­tes.

Educação é a porta aberta para a liberdade, ela diz. Por esse motivo, abriu uma escola na África do Sul voltada para a educação de meninas, com o apoio do saudoso Nelson Mandela, com o objetivo de mudar a visão de futuro dessas meninas. Winfrey afirmou que, ao abrir oportunida­des para as mulheres, elas transforma­m a própria comunidade.

Em meio a tantas reflexões, foi uma realização encontrá-la depois da palestra. Pude dizer que divido o prefácio das edições brasileira­s de “Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola” com ela e que também assino o prefácio da edição de “O Olho Mais Azul”. Foi então que a apresentad­ora segurou em minha mão e posamos, junto a Maju Coutinho, para uma fotografia. Naquele momento, a menina de Santos que fui e que sempre a assistia sorriu.

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Aline Bispo

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