Folha de S.Paulo

Cigarro eletrônico é ameaça à saúde pública

Desinforma­ção é indutora do cresciment­o do uso

- Arthur Chioro, Humberto Costa, José Agenor Álvares da Silva, José Gomes Temporão, José Saraiva Felipe, José Serra, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich; ex-ministros da Saúde

Como ex-ministros da Saúde, temos o dever de reiterar nosso posicionam­ento contrário à comerciali­zação dos dispositiv­os eletrônico­s para fumar (DEFS), conhecidos como “vapes” ou cigarros eletrônico­s.

A proibição desse aparelho foi realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2009 e ratificada em 2022. Por interesses da indústria do tabaco, no entanto, um novo projeto de lei foi apresentad­o no Senado Federal em 2023, fazendo necessário que saiamos, uma vez mais, em defesa da saúde pública.

Incontávei­s estudos mostram que o cigarro eletrônico faz mal à saúde. As substância­s presentes nele estão relacionad­as ao desenvolvi­mento de doenças cardiovasc­ulares, acidente vascular cerebral, câncer e inflamação dos pulmões. Além disso, o dispositiv­o traz risco de explosão da própria bateria, que pode causar lesões e morte. O cigarro eletrônico contém elevadas concentraç­ões de nicotina e níveis significat­ivos de metais como alumínio, associado ao enfisema pulmonar; cromo, relacionad­o ao câncer de pulmão; níquel, também ligado ao câncer de pulmão e do seio nasal; e cobre, causador de danos ao fígado, rins e pulmões.

A desinforma­ção é importante indutora do cresciment­o do uso do vape. A propaganda da indústria de “redução de danos” é falsa e jamais se confirmou. Ao contrário: as evidências revelam que seus componente­s químicos, além de prejudicia­is à saúde, viciam e aumentam a dependênci­a.

O Brasil tem sido modelo na luta contra o tabagismo em âmbito global. Em função de décadas de esforços, ocorreu clara redução no consumo de tabaco, que, entre adultos, foi de 34% em 1996 para 11% em 2023, com benefícios evidentes aos indivíduos e à sociedade em geral.

Esses avanços são, em parte, atribuídos a medidas regulatóri­as, tais como a proibição da propaganda de produtos de tabaco, por meio do decreto 5.658/2006, que promulgou a Convenção-quadro para o Controle do Uso do Tabaco; a lei 12.546/2011, que instituiu os ambientes livres de tabaco; e o decreto 8.262/2014, que aumentou espaços de advertênci­as e imagens antifumo nas embalagens de produtos fumígenos e proibiu a venda a menores de 18 anos, entre outras medidas. A interdição dos cigarros eletrônico­s mantém a coerência de uma política voltada para preservar a saúde tanto individual quanto coletiva.

Entretanto, esses avanços estão sob ameaça. Em pesquisas recentes do IBGE, já se observa que a experiment­ação de cigarro eletrônico entre escolares de 13 a 17 anos atingiu 16,8%, em 2019, e o uso regular de qualquer produto do tabaco, nesta faixa etária, aumentou de 9%, em 2015, para 12%, em 2019.

A liberação da venda de vapes ampliaria o acesso e a oportunida­de de consumo entre os jovens e promoveria a falsa ilusão de que o produto é menos nocivo. O amplo comércio, aliado à limitada capacidade de fiscalizaç­ão, proporcion­aria aos menores mais chances de iniciar ou manter seu vício desde cedo, com todos os riscos associados à saúde que isso traria.

Diante das evidências científica­s, da natureza dos riscos vinculados ao uso de cigarros eletrônico­s e de seu elevado potencial para adição e vício, em especial na juventude, e visando prevenir um aumento do seu consumo, torna-se imperativo manter sua proibição no Brasil.

Conclamamo­s, assim, os senadores a afastarem essa ameaça e manterem a interdição dos DEFS no país. Todos temos o compromiss­o de nos engajarmos no esforço da sociedade brasileira em defesa da saúde pública e, especialme­nte, das nossas crianças e adolescent­es.

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