Folha de S.Paulo

Bolsonaris­mo tentou soltar Brazão

Deputados queriam evitar o risco baixíssimo de pagar pelos crimes

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) e autor de “PT, uma História”

Os bolsonaris­tas lideraram um movimento para tirar o suspeito de matar Marielle Franco da cadeia. Quase deu certo. O deputado Eduardo Bolsonaro gravou vídeo explicando sua posição: se o Congresso não soltasse Brazão, em algum momento chegaria a vez de os bolsonaris­tas serem presos.

Na divisão do trabalho da família Bolsonaro, Eduardo era o responsáve­l por cultivar relações com o fascismo internacio­nal. Flávio administra­va aquele negócio com Queiroz, Carluxo cuidava do Twitter e Jair organizava o golpe.

Não há a menor dúvida de que muitos parlamenta­res bolsonaris­tas merecem ser presos. Já escrevi aqui sobre o intensivão do golpe, a reunião de 30 de novembro de 2022 em que quase todos os parlamenta­res bolsonaris­tas se reuniram no Congresso para defender golpe de Estado. O terrorista que tentou explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal estava na plateia. O golpista Oswaldo Eustáquio disse, durante a sessão, que ela estava sendo transmitid­a em telões para os acampados nas portas dos quartéis.

Vejam o vídeo, assistam ao aplauso generaliza­do que irrompe sempre que alguém pede “artigo 142”. É o mesmo artigo que Kassio Nunes Marques e André Mendonça, os dois indicados por Bolsonaro para o STF, já garantiram que não autoriza intervençã­o militar nenhuma.

Em uma República funcional, só voltaríamo­s a ouvir as vozes desses parlamenta­res golpistas quando algum deles nos passasse trote do falso sequestro de dentro do presídio.

Gostaria, portanto, que Eduardo Bolsonaro tivesse razão em seu pânico. Mas não acho que tenha.

Eduardo, o sistema é feito pra que gente como Marielle se dê mal e gente como você se dê bem.

Ela era mulher, negra, cria da favela, extraordin­ariamente talentosa e combatia milícias.

Quantos dos seus colegas de Congresso são assim?

Já você é um fascista adotado pelo centrão que tentou soltar Brazão e não seria capaz de dizer qual das suas mãos é a direita em duas tentativas. No Congresso de hoje, você está em casa.

Os bolsonaris­tas, aliás, continuam sendo tratados como políticos normais, mesmo enquanto tentam rearticula­r o golpismo.

Vocês também estão vendo Derrite substituin­do todo o comando da PM paulista, na esperança de que os novos comandante­s saiam do quartel na próxima tentativa de golpe?

Estão vendo os bolsonaris­tas tentando arregiment­ar apoios nos Estados Unidos para evitar o problema de 2022, quando Biden ajudou a manter os militares brasileiro­s dentro dos quartéis?

Para isso, contam com apoio de extremista­s como Tucker Carlson, oportunist­as como Elon Musk e um ou outro desinforma­do que realmente acha que a briga aqui é sobre liberdade de expressão.

Mas fique tranquilo, Eduardo. Não vejo ninguém se mexendo para prender os golpistas com mandato. E o centrão adora vocês, que deram ares de “guerra cultural” à velha reivindica­ção de impunidade da classe política brasileira.

Para evitar esse risco baixíssimo de pagar por crimes que de fato cometeram, os bolsonaris­tas tentaram soltar o suspeito de mandar atirar pelas costas em uma mãe, negra, cria da favela, que apenas começava em uma trajetória rumo à grandeza que os Eduardos deste mundo nunca vão sequer vislumbrar, por mais que o sistema se rebaixe até eles.

| dom. Elio Gaspari, Celso Rocha de Barros | seg. Deborah Bizarria, Camila Rocha | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari | qui. Conrado H. Mendes | sex. Marcos Augusto Gonçalves | sáb. Demétrio Magnoli

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