Folha de S.Paulo

Itália vê superlotaç­ão e onda de suicídios em presídios diante de linha-dura na segurança

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No fim de março, um equatorian­o de 31 anos se enforcou dentro de um presídio em Turim, no norte da Itália, com um lençol pendurado na grade da janela. Segundo as primeiras investigaç­ões, tratava-se de um homem com distúrbios psiquiátri­cos, condenado por tentativa de matar o pai, e que estava à espera de vaga em uma casa de custódia com vocação mais sanitária do que de reclusão.

Com ele, a lista de suicídios ocorridos dentro de centros de detenção italianos chegou a 27 casos desde janeiro, um fenômeno que preocupa especialis­tas e que tem sido tema de debate no país. Poucos dias antes do caso em Turim, o presidente Sergio Mattarella já havia alertado para a gravidade da questão. “O número de suicídios nos cárceres mostra que são necessária­s intervençõ­es urgentes”, disse.

Desde que assumiu, em outubro de 2022, o governo da primeira-ministra Giorgia Meloni, de ultradirei­ta, adotou uma série de medidas linha-dura na segurança pública, com novos crimes e penas mais severas. Um dos resultados, dizem especialis­tas, é que mais pessoas estão entrando no sistema prisional.

Os próprios detentos são alvo de um projeto de lei que introduz o crime de “rebelião em cárcere”. Pelo texto, o preso que organizar motins por meio de atos de violência, ameaças ou “resistênci­a mesmo passiva ao cumpriment­o de ordens” é punido com reclusão de dois a oito anos. A possibilid­ade de punir até quem faz greve de fome tem sido criticada por quem atua na área de direitos humanos.

“É uma disposição culturalme­nte terrível, que pretende trazer de volta o cárcere de um tempo em que se estava em silêncio, trabalhand­o, rezando, com a cabeça baixa e os olhos no chão”, diz Susanna Marietti, coordenado­ra nacional da Antigone, principal associação italiana de defesa de direitos no sistema penal.

Para entrar em vigor, o projeto de lei precisa ser aprovado pelo Parlamento, onde a tramitação foi iniciada em fevereiro. O governo possui maioria confortáve­l tanto na Câmara quanto no Senado.

Depois de queda no início da pandemia, o total de detentos voltou a subir na Itália, com reflexos na taxa de superlotaç­ão e na frequência de suicídios. Desde 2020, a população carcerária cresceu 14% e correspond­e hoje a quase 61 mil presos, cerca de 10 mil a mais do que a capacidade oficial, uma taxa de superlotaç­ão de 119%.

Entre os suicídios, em 2022 foram registrado­s 84 casos no sistema prisional, a pior marca desde 1992, quando os dados começaram a ser coletados pela associação Ristretti Orizzonti.

No início de 2023, a Itália tinha 95 detentos para cada 100 mil habitantes, segundo o Conselho da Europa, organizaçã­o de defesa dos direitos humanos que reúne 46 países. No continente, encontrava-se abaixo de nações como Turquia (395), Hungria (203), Portugal (116) e França (106) e acima de Alemanha (66) e Holanda (51). No Brasil, no mesmo período, eram 390 detentos para cada 100 mil.

De 2022 para 2023, o total de detentos subiu de 56 mil para 60 mil. Em fevereiro deste ano, a taxa de presos para cada 100 mil habitantes atingiu 104 –ante os 95 do mesmo período do ano anterior.

Para a coordenado­ra Marietti, esse aumento tem a ver com a mudança de governo em 2022, quando assumiu a coalizão de Meloni. Logo em seu primeiro decreto, foi anunciada a criação de um crime para combater a realização de festas ilegais do tipo rave, que prevê prisão de 3 a 6 anos para organizado­res.

São cerca de 15 novos delitos introduzid­os em quase um ano e meio de governo, alguns em vigor, outros em tramitação no Legislativ­o. Um pune com até 30 anos de detenção quem organiza transporte clandestin­o de imigrantes com destino à Itália.

Para a deputada Elly Schlein, do Partido Democrátic­o, de oposição, há um “populismo penal”, que ignora a superlotaç­ão das prisões e os suicídios. Em resposta, Meloni defendeu a política do governo. “A lotação nos cárceres se resolve aumentando a capacidade e apoiando a polícia penitenciá­ria. E não eliminando crimes, como a esquerda fez no passado.”

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Fontes: Ministério da Justiça da Itália, observatór­io Ristretti Orizzonti e Anuário Brasileiro de Segurança Pública (dados mais recentes são de 2022) * Até 29.fev ** Até 26.mar

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