Folha de S.Paulo

Megasseque­stro ainda assombra Nigéria

Dez anos após ação do Boko Haram, mais de cem raptadas continuam desapareci­das; prática se tornou comum no país

- Guilherme Botacini

Há dez anos, o sequestro de 276 meninas pelo grupo terrorista islâmico Boko Haram em uma escola secundária em Chibok, cidade majoritari­amente cristã no nordeste da Nigéria, extrapolou as fronteiras e virou uma campanha global pela libertação das garotas. O crime, no entanto, ainda assombra o país pelas suas consequênc­ias, ao mesmo tempo que é apontado por familiares das vítimas como um caso esquecido pelo governo.

A começar pelo básico: 112 sequestrad­as ainda não foram recuperada­s, e seu destino é incerto. Naquela noite de 14 de abril de 2014, homens armados invadiram uma escola só de meninas na cidade e levaram as capturadas em caminhões para a floresta de Sambisa, próxima dali.

Foram 57 as que fugiram, ainda durante o sequestro, pulando dos caminhões, ou nas primeiras semanas de cativeiro na mata, de acordo com o grupo ativista #Bringbacko­urgirls (tragam de volta nossas meninas, em inglês). Outras 107 foram libertadas em negociaçõe­s, principalm­ente em 2016 e 2017. Das 112 restantes, segundo o movimento, não se sabe quantas estariam ainda com o grupo terrorista ou mortas.

A hashtag da qual surgiu o grupo de pressão pela libertação das sequestrad­as foi compartilh­ada ao redor do mundo depois do crime, inclusive por gente como a vencedora do Nobel da Paz Malala Yousafzai e a então primeira-dama dos EUA, Michelle Obama.

Foi naquele momento, quando a era das redes sociais dava seus primeiros passos mais robustos, que a percepção da violência do grupo jihadista criado em 2009 se tornou global.

“Principalm­ente à noite, penso na minha filha. Nunca vou esquecê-la”, disse à agência Reuters Solomon Maina, pai de uma das sequestrad­as que nunca retornaram.

Há ainda, para as que são resgatadas, a dificuldad­e de reintegraç­ão à comunidade após tantos anos cativas. Algumas sofrem com o estigma de terem passado pelo cativeiro, onde sobreviven­tes relatam ter havido estupros e casamentos forçados.

Em relato ao britânico The Guardian, Amina Ali Nkeki, a primeira das meninas do grupo que permaneceu anos cativo a escapar da floresta, em 2016, conta que se casou com um dos sequestrad­ores, que mais tarde fugiu com ela, com medo de ser explorada sexualment­e. Hoje, cursando universida­de e separada, ela cria a filha de oito anos, que sofre bullying e é chamada de “filha do Boko Haram”.

A década que se passou desde o crime de Chibok foi polvilhada de novos ataques do tipo pelo grupo jihadista, alguns maiores do que aquele de 2014, principalm­ente nos estados do norte, mais pobres e de população rural, marginaliz­ada e, majoritari­amente, muçulmana.

De acordo com a ONG Human Rights Watch, em 2021 o governo nigeriano adotou uma política pública com o objetivo de aumentar a segurança em escolas. Particular­mente nos últimos meses, no entanto, provando a ineficácia de medidas tomadas, a prática voltou a crescer. Apenas em uma semana de março, ao menos 564 foram sequestrad­os, segundo a ONU.

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*Crimes em que não se sabe o número de sequestrad­os não foram incluídos Fontes: The Guardian e Acled

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