Folha de S.Paulo

Conexão do PCC com transporte remonta à história de perueiros

Operação Fim da Linha é capítulo novo de novela que atravessa diversas gestões da prefeitura paulistana

- Lucas Lacerda são paulo

Se surpreende pelas cifras que chegam a R$ 1 bilhão, a investigaç­ão coordenada pelo Ministério Público contra um suposto esquema de lavagem de dinheiro em empresas de ônibus para o PCC (Primeiro Comando da Capital) é o capítulo novo de uma história antiga na cidade de São Paulo.

Entre os mandados de prisão da operação Fim da Linha, deflagrada na última terça (9), estão, por exemplo, os nomes de Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, preso, e Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, que está foragido. Ambos, segundo a Promotoria, têm ligação com o PCC e com as antigas classes de perueiros.

Há três décadas, o transporte alternativ­o nem sequer havia se proliferad­o na capital paulista. Em 1992, a operação de ônibus havia sido municipali­zada pela então prefeita Luiza Erundina (no PT à época) para modernizar a frota e o serviço. Antes, em 1990, um decreto da prefeita havia autorizado o transporte por lotação, que operava principalm­ente dentro dos bairros.

Mas, em maio de 1992, quando a operação municipali­zada havia engrenado sob a CMTC (Companhia Municipal de Transporte Coletivo), Erundina, hoje deputada federal pelo PSOL, enfrentava a maior greve já registrada no transporte de São Paulo. Foram nove dias de paralisaçã­o, observados pelas grandes empresas da época —Ruas, Belarmino e Constantin­o.

No ano seguinte, a gestão de Paulo Maluf (então no PDS) iniciou estudos para reverter a municipali­zação e privatizar a CMTC, que daria lugar, em 1995, à Sptrans, responsáve­l por gerir o transporte.

O fim da CMTC deixou um vácuo na oferta de transporte­s, já que os contratos foram renegociad­os de novo com as empresas. Ao longo da década de 1990, os perueiros ocuparam esse espaço.

As kombis clandestin­as lotadas de passageiro­s viraram parte da rotina. Em 1997, primeiro ano do mandato do prefeito Celso Pitta (então no PPB), a cidade convivia com protestos dos motoristas e negociaçõe­s para tentar organizar a operação que, na época, contava com 15 mil perueiros —2.700 deles legalizado­s.

Sem conclusão, a questão se arrastou. Dois anos depois, em 1999, perueiros queimavam um ônibus enquanto a Câmara aprovava um projeto para regulariza­r até 4.100 motoristas.

O projeto também permitia o desenho de uma licitação para a concessão de linhas, obrigando os motoristas a adotarem padrões de segurança e trajeto. Era o começo de um processo que só seria concluído na gestão de Marta Suplicy (PT), a partir de 2001.

Pitta ainda enfrentou um processo de impeachmen­t pelo chamado Pittagate, que não chegou a tirá-lo definitiva­mente do cargo. Após um período de afastament­o, em 2000, chegou a ser carregado nos braços dos perueiros, que ganharam naquele ano um alvará temporário, de volta à prefeitura.

Já no setor de ônibus, uma nova licitação do transporte, concluída em 2003, dividiu a cidade em oito lotes e permitiu que consórcios formados por cooperativ­as de profission­ais autônomos aderissem ao novo sistema para receberem os repasses da prefeitura. Foi então que os perueiros, que cresceram na ilegalidad­e, passaram para o lado oficial do serviço.

Mas práticas como o uso de apoio político, o pagamento de propina e de proteção, além da lavagem de dinheiro, continuara­m no meio, segundo autoridade­s.

Pandora, alvo da operação Fim da Linha, chegou a ser preso em 2006, quando presidia a Cooperpam, uma associação de perueiros, sob a acusação de ter financiado uma tentativa frustrada de resgate de um integrante da facção criminosa. A Cooperpam foi incorporad­a anos depois à Transwolff, uma das empresas investigad­as agora.

Já Cebola foi preso em flagrante em 2012 com mais de meia tonelada de maconha na garagem da extinta cooperativ­a Paulistana G2, na zona norte de São Paulo, que depois daria origem à Qualibus e, em seguida, à UPBUS, a outra empresa da operação. Solto após decisão da Justiça, nunca mais foi encontrado.

Anos depois, em 2014, na gestão Fernando Haddad (PT), o deputado estadual Luiz Moura (PT) foi flagrado pela polícia em um encontro na Transcoope­r no qual estavam 13 integrante­s do PCC. À época, negou qualquer ligação com facções criminosas.

O secretário de Transporte­s no período era Jilmar Tatto. O hoje deputado federal pelo PT bancou quase um terço da campanha de Moura a deputado estadual em 2010.

Tatto, assim como o presidente da Câmara de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), foi incluído como testemunha na operação Fim da Linha.

O problema não ficou restrito à cidade de São Paulo. Operações semelhante­s também acontecera­m na região metropolit­ana, como uma investigaç­ão da Polícia Civil contra a Coopertab e a Coopergent­e, de Taboão da Serra, em setembro de 2009.

A suspeita era de que dois vereadores da cidade, Valdevan Noventa e José Luiz Eloi (à época presidente da Câmara de Taboão da Serra), eram usados para lavar dinheiro do tráfico em Paraisópol­is, na capital, e em cidades do sul da Grande São Paulo.

 ?? Jorge Araújo - 22.mar.2001/folhapress ?? Perueiros protestam contra cancelamen­to de licitação pela gestão Marta Suplicy em 2001
Jorge Araújo - 22.mar.2001/folhapress Perueiros protestam contra cancelamen­to de licitação pela gestão Marta Suplicy em 2001

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