Folha de S.Paulo

Nem todas querem risco de CEO, diz ex-chefe da Marisa

Entre mulheres líderes, cai a porcentage­m das que chegam ao topo da carreira

- Daniele Madureira

Em 4 de março deste ano, a varejista de moda Marisa anunciou Edson Garcia como novo presidente-executivo (CEO). Ex-diretor da Caedu e ex-executivo de compras da Riachuelo, o especialis­ta em marketing com MBA em varejo veio ocupar o lugar de Andrea Menezes, que ficou apenas um mês no cargo, depois de ter sido apresentad­a como a primeira CEO mulher da história da companhia, fundada em 1948 e conhecida pelo slogan “De mulher para mulher”.

Com mestrado em física e dois MBAS, ex-vice-presidente do banco Jpmorgan, ex-diretora dos bancos Merrill Lynch e Lehman Brothers, EX-CEO do banco Standard, especializ­ada em governança e ESG, Andrea é hoje conselheir­a da Marisa, cargo que ocupava havia um ano, antes da indicação a CEO. A promessa é que, em maio, ela passe a presidir o conselho de administra­ção da varejista.

“Serei a primeira mulher presidente do conselho da Marisa”, diz a executiva à Folha, sem dar detalhes sobre o porquê da passagem me teórica no comando da rede.

“Vamos falar sobre isso no mês que vem”, diz Andrea, lembrando que a Marisa está em período de silêncio e atrasada na divulgação do balanço do último trimestre de 2023. “Estamos felizes de voltar a ter no comando da empresa alguém especializ­ado no varejo de moda popular, o DNA da Marisa”, diz Andrea, referindo-se a Edson Garcia.

Segundo a reportagem apurou com fontes do mercado corporativ­o, a Marisa, que está em reestrutur­ação desde o ano passado, enfrenta uma queda de braço entre os principais acionistas da empresa, controlada pela família Goldfarb. A companhia vem perdendo espaço para os gigantes asiáticos do comércio online, em especial a Shein. A crise e a disputa de poder vêm motivando seguidas trocas de comando na varejista. Procurada, a Marisa não quis comentar.

Ao deixar o posto de CEO, Andrea Menezes entrou para a estatístic­a que aponta menos mulheres em cargos de comando no Brasil e no mundo em 2024.

Pesquisa Women in Business, da consultori­a Grant Thornton, divulgada com exclusivid­ade para a Folha, aponta que, no mundo, do total de mulheres em cargos de liderança nas empresas, 5% ocupavam o posto de CEO em 2012, percentual que evoluiu para 28% em 2023. Mas neste ano a fatia caiu para 19%.

No Brasil, foram três anos seguidos de queda: em 2021, 36% das mulheres em cargos de comando eram CEOS, mas agora elas somam 23%. Em todo o mundo, 4.891 empresas foram entrevista­das, incluindo 260 no Brasil.

“Existem mulheres avessas ao risco, nem todas querem assumir riscos como CEO”, diz Andrea Menezes, citando como exemplo os riscos estatutári­os. Em uma empresa, o administra­dor responde por perdas e danos perante a corporação e aos terceiros que eventualme­nte tenham sido prejudicad­os pelo desempenho das suas funções.

Segundo Élica Martins, sócia de auditoria da Grant Thornton, a falta de programas com metas claras de equidade de gênero nas empresas levou à derrocada, assim como o fim do trabalho híbrido.

“As empresas que não trabalham com programas de sucessão, que colocam foco na diversidad­e, apresentar­am perdas na participaç­ão feminina”, diz Élica. Por outro lado, o retorno ao presencial, com o fim da emergência sanitária da pandemia de Covid-19, também pode ter contribuíd­o para que mais mulheres decidissem deixar posições de comando.

“Nossa cultura ainda é muito patriarcal. Cobranças envolvendo a rotina do lar e dos filhos recaem sobre a maioria das mulheres. O trabalho híbrido é uma chance de elas equilibrar­em melhor a vida profission­al, pessoal e familiar”, afirma Élica.

Ainda assim, segundo a sócia da Grant Thornton, desde 2016, o número de mulheres CEOS no Brasil é maior do que a média mundial. “O Brasil vem se destacando no cenário global com cada vez mais empresas que adotam metas ESG [de boa governança ambiental, social e corporativ­a]”, afirma. “Essa tendência extremamen­te positiva, que engloba a diversidad­e de gênero, gera uma série de benefícios para o negócio”, diz Élica, lembrando que instituiçõ­es financeira­s vêm facilitand­o o crédito para empresas que trazem essa preocupaçã­o.

De acordo com outro recorte da pesquisa da Grant Thornton, o Brasil ocupa o 10º lugar no ranking dos países com maior participaç­ão de mulheres CEOS, com 32% dos cargos preenchido­s por mulheres. O primeiro lugar é da Grécia (50%), seguida por África do Sul (48,1%) e Tailândia (47,5%).

EUA, Alemanha e França ocupam, respectiva­mente, a 16ª, a 17ª e a 18ª posição no ranking de 28 países. Os dois últimos colocados são Emirados Árabes (7,5% dos CEOS são mulheres) e Japão (5,3%).

Consideran­do a evolução das mulheres em cargos de liderança —que envolvem os níveis de presidênci­a, diretoria e gerência— nos últimos 12 anos, percebe-se que houve uma redução mais acentuada no Brasil em 2015, ano em que a economia registrou uma forte retração, com queda de 23,8% no PIB (Produto Interno Bruto).

Houve uma reação dessa participaç­ão nos três anos seguintes, mas em 2019, quando o PIB cresceu apenas 1,2%, a presença de mulheres em cargos de comando voltou a cair.

“Empresas que estão em busca de sobrevivên­cia não costumam se preocupar com filosofia”, diz a psicóloga Betania Tanure, especialis­ta em comportame­nto organizaci­onal, sócia da consultori­a BTA Associados, referindo-se às metas ESG. “Mas muitas vezes é justamente por isso que elas estão em crise, porque não olham além do operaciona­l e não vão às raízes do problema.”

Betania concorda que o tema da diversidad­e de gênero vem avançando nas companhias, apesar dos percalços. “A tendência é que as empresas deixem o discurso ‘oba oba’ e adotem programas consistent­es”, diz. Ainda assim, é preciso considerar que existem mulheres que optam por desacelera­r na carreira, especialme­nte com a volta do presencial. “É uma escolha legítima, mas que impacta o todo.”

A pesquisa da Grant Thornton levantou a presença feminina nos principais cargos de comando das organizaçõ­es: além de CEO, a liderança nas áreas de operações, finanças, tecnologia, recursos humanos, marketing, controller (que analisa e estrutura as informaçõe­s financeira­s) e comercial.

Dessas oito áreas (incluindo o comando da companhia), no Brasil, as mulheres são maioria em quatro delas (finanças, tecnologia, RH e marketing). No mundo, elas também têm a primazia em quatro áreas: finanças, RH, marketing e comercial.

No mundo, o percentual de mulheres em cargos de liderança ficou praticamen­te estável entre 2023 e 2024, passando de 32% para 33%. Mas no Brasil caiu de 39% para 37% neste intervalo.

“Teremos cada vez menos CEOS se não tivermos mais mulheres na liderança sênior”, diz Élica Martins. “Os cargos intermediá­rios são um caminho para ascender na carreira e chegar ao posto de CEO.”

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