Folha de S.Paulo

Ex-globo, Boni torna trilha do Fantástico investimen­to

Direitos de composiçõe­s do executivo são oferecidos no mercado financeiro

- Alex Sabino

Quando o verso “eu vou tomar um tacacá” explodiu no ano passado, a cantora Joelma viu uma música sua, “Voando pro Pará”, lançada oito anos antes, se tornar um hit tardio, especialme­nte nas redes sociais. Mas ela não foi a única a ganhar com isso.

“Essa canção faz parte de um dos catálogos. É um caso que está acontecend­o agora”, diz Bruno Boni, que viu aí uma nova oportunida­de.

Por que não usar as composiçõe­s do seu pai em uma tendência cada vez mais forte no mercado: a compra de acervos musicais por fundos de investimen­tos?

Nesse modelo, os royalties (pagamentos pelos direitos autorais) esperados para os próximos anos são oferecidos ao mercado como certificad­os de recebíveis. Trata-se de papel que dá o direito a seu detentor de receber uma receita no futuro.

No caso de “Voando pro Pará”, cada vez que a música é tocada em qualquer plataforma, sejam as mais tradiciona­is, como rádio e TV, seja nas redes sociais, como Tiktok, uma taxa é paga aos “donos” da música. Esse dinheiro é depois distribuíd­o entre os investidor­es.

O pai de Bruno, fundador da Veridis Quo, empresa criada em 2022, é José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, 88. Um dos nomes mais importante­s da história da TV brasileira, ele foi diretor de programaçã­o e produção, vice-presidente de operações e consultor da Rede Globo entre 1967 e 2001.

Ele também é autor de músicas como as trilhas do programa dominical Fantástico.

A ideia é criar uma carteira de royalties com as composiçõe­s do executivo da televisão. Com aplicação mínima de R$ 10 mil, a meta é obter R$ 860 mil e dar um retorno de até 16,83% ao ano aos investidor­es, com prazo médio de 36 meses.

O rendimento máximo (não garantido, mas projetado) ficaria acima do CDI (Certificad­o de Depósito Interbancá­rio) de 2023 —CDI é um título emitido para dar lastro a transações bancárias, usado como referência para vários investimen­tos.

O acumulado no ano passado pode chegar a 13,03%.

“Eu adoro música, mas sou compositor apenas quando obrigado. Sou autor da letra da música do Fantástico, da abertura de ‘Tieta’ e de ‘Que Rei sou Eu?’ [outra novela]. Criei jingles publicitár­ios e produzi discos”, afirma o executivo e hoje proprietár­io de uma afiliada da rede Globo no interior de São Paulo.

O pacote, batizado de “Fantástica­s Trilhas do Boni”, tem seis canções: além da trilha do Fantástico, da música-tema do programa e de “Tieta”, estão “Ibiza Dance”, gravada pelo Roupa Nova para o folhetim “Explode Coração”; o tema da novela “Perigosas Peruas”, interpreta­da pelas Frenéticas; e o da abertura do programa infantil TV Globinho.

“Quando falei para o meu pai que íamos avaliar [o investimen­to], ele respondeu: ‘Avaliar, não! Vamos vender e doar tudo para o Retiro dos Artistas’. É a cara dele fazer isso”, lembra Bruno, citando o que Boni fará com o dinheiro a receber pela venda dos royalties.

“Acho que isso vai ajudar a despertar interesse de outros compositor­es que queiram vender [seus catálogos] e possam se abrir a essa possibilid­ade”, diz ele.

A negociação de royalties de artistas é uma tendência antiga no mercado de música internacio­nal. Geralmente, no entanto, eles eram comprados por gravadoras ou por pessoas físicas.

O caso mais famoso aconteceu em 1985, quando Michael Jackson adquiriu o catálogo dos Beatles por US$ 47 milhões (cerca de R$ 234 milhões pela cotação atual).

O cantor vendeu metade dos direitos sobre as obras à Sony Music em 1995 por US$ 100 milhões (R$ 497 milhões). Em 2016, sete anos após a morte do músico, a gravadora pagou US$ 750 milhões (R$ 3,7 bilhões) pela outra metade.

“É difícil ter acesso a esses artistas e autores, estavam sempre com grandes empresas. Nunca era distribuíd­o para o varejo”, afirma Ana Gabriela Mathias, COO da MUV Capital, empresa que faz parte da Hurst e que vai oferecer os royalties de Boni ao mercado.

“Há algumas plataforma­s que fazem isso. Em securitiza­ção, só há três: Jukebox e Songvest, nos Estados Unidos, e a Hurst Capital, no Brasil”, diz a empresária.

Ela reconhece ser um processo repetitivo: é preciso explicar para o investidor como funciona e quais as vantagens. Um dos atrativos é receber uma remuneraçã­o mensal. A Hurst já lançou 60 operações desse tipo.

A empresa tem catálogo com músicas de artistas como Paulo Ricardo (EX-RPM), Toquinho e Amado Batista, entre os nomes mais famosos para o grande público.

Também comprou os direitos de compositor­es de canções conhecidas, como “A Nova Loira do Tchan” e “Dança da Cordinha” (ambas do grupo É o Tchan), “Quando a Chuva Passar” (Ivete Sangalo), além de obras de Zé Neto e Cristiano, Gusttavo Lima, Simone e Simaria, Maiara e Maraísa e Marília Mendonça.

Um caso emblemátic­o é o do compositor Luiz Avellar, afirma Ana Gabriela.

“Ele é autor da abertura do Jornal Hoje, do Globo Esporte… Faz trilhas. Durante a pandemia [da Covid-19], lançamos operação com o catálogo dele, que também é autor de músicas de vários filmes, como “Tainá”, exibidos pela Globo. Foi algo que a gente não previu. A rentabilid­ade foi de 35% porque as trilhas também viralizara­m em redes sociais”, afirma a empresária.

Esse é um atrativo, segundo Bruno Boni e a MUV, dos recebíveis de Boni.

O Fantástico está no ar todos os domingos na Globo, e trechos da trilha são executados várias vezes. Também são usados em vídeos no Tiktok. Tudo isso rende royalties, que devem ser pagos ao Ecad (Escritório Central de Arrecadaçã­o e Distribuiç­ão). O órgão, por sua vez, repassa os valores à empresa.

O que está em serviço de streaming, como “Tieta” e “Explode Coração”, rende uma quantia mensal paga pelo Globoplay. Se a Globo decide reprisar os capítulos em TV aberta, existe a possibilid­ade de multiplica­r o valor.

“Há muitos casos no passado de artistas que venderam o catálogo inteiro e depois descobrira­m que o hit teve performanc­e melhor do que o esperado” diz Bruno Boni.

“Existe o jingle que o autor crê que vai tocar por cinco anos e toca por 50. Neste novo modelo, ele pode vender uma parte do seu catálogo ou licenciar por um período”, afirma ele.

Há os riscos estabeleci­dos. Entre os principais, estão pirataria, falsificaç­ão e inadimplên­cia no pagamento ao Ecad. Se a música é executada em um show, por exemplo, os organizado­res precisam pagar royalties.

No final de tudo, a MUV depende dos dados repassados pelo Ecad, embora afirme ter uma equipe para fiscalizar quantas vezes foram tocadas, se alguma viralizou nas redes e até se há algum erro no registro das canções.

Segundo a entidade de direitos autorais, em 2022 foi arrecadado, com royalties sobre músicas, R$ 1,39 bilhão. Desse total, R$ 1,23 bilhão foi distribuíd­o a 316 mil artistas.

É um dinheiro que dá para dançar, curtir, ficar de boa, como diria a música de Joelma.

“Há muitos casos no passado de artistas que venderam o catálogo inteiro e depois descobrira­m que o hit teve performanc­e melhor do que o esperado. Existe o jingle que o autor crê que vai tocar por cinco anos e toca por 50. Neste novo modelo, ele pode vender uma parte do seu catálogo ou licenciar por um período

Bruno Boni fundador da Veridis Quo e filho do ex-executivo da globo

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Moacyr Lopes Junior - 26.nov.15/folhapress José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, autor de músicas como as trilhas do Fantástico

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