Folha de S.Paulo

Brasil, uma situação perigosa

País vive rara conjunção de juros altos, dívida cara e pouca poupança

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Nesta semana, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva deve dizer que sua meta de poupar dinheiro em 2025 vai ser menor do que previa desde o ano passado. A meta de superávit primário vai ser menor —trata-se da diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, afora despesas com juros.

Mesmo menos ambicioso, o objetivo será ainda assim difícil de cumprir, entre outros problemas que vão afetar o novíssimo teto móvel de gastos de Lula-haddad.

As contas do governo do Brasil estão em situação perigosa, rara desde que se estabelece­u um regime baseado nas ideias de meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, ideias na prática muita vez furadas, e desde que há estatístic­as comparávei­s. Desde 2002.

Que perigo é esse? A taxa média de juros que incide sobre a dívida pública é alta. Não se poupa o bastante (ou nada) a fim de que se possa pagar os juros e, assim, evitar que a dívida cresça sem parar. Desde 2002, tal conjunção ruim aconteceu nos anos da Grande Recessão (2014-2016) e na epidemia.

Com o teto de gastos de Michel Temer e a recessão, a taxa de juros começou a cair rapidament­e. O teto era ruim e marcado para morrer, mas conteve o aumento explosivo da dívida.

Depois do aumento de gastos da epidemia, houve a contenção de 2021 —precoce, o que causou grande aumento da miséria. Mais importante, houve uma inflação inesperada enquanto as taxas de juros eram muito baixas. Em termos reais, a taxa de juros (implícita) da dívida ficou negativa de março de 2021 a junho de 2022. Foi um motivo importante de a dívida pública cair rapidament­e do pico da Covid.

Agora, há perspectiv­a de juros reais altos por anos (mesmo com queda da Selic). Não há perspectiv­a de superávit primário relevante antes de 2026. Começa a se difundir no governo a ideia de que o próprio teto móvel de gastos de Lula 3, aprovado no ano passado, tenha de ser relaxado.

O custo médio nominal da dívida, a taxa de juros implícita que incide sobre a dívida pública total, está em 11,2% ao ano (nos últimos 12 meses até fevereiro), uma taxa real de 6,4%. Como resultado, o setor público, o “governo”, pagou o equivalent­e a 6,8% do PIB em juros (R$ 747 bilhões em 12 meses, o equivalent­e a uns cinco anos de Bolsa Família). Na prática, não pagou: fez mais dívida para rolar essa conta. Também teve de pegar emprestado para pagar as contas corriqueir­as, pois tem déficit primário: mais R$ 268 bilhões em um ano. O déficit total (nominal), pois, passa de R$ 1 trilhão (9,24% do PIB, da produção anual da economia).

Desde 2002, houve déficits desse tamanho ou maiores apenas no momento excepciona­l da epidemia e na Grande Recessão ou por efeito dela, em 2016 ou em 2017.

Nos demais anos, a taxa de juros média da dívida era menor ou não muito maior do que a de agora. Mas havia grandes superávits primários, como sob Lula 1 e Lula 2. Pagava-se parte da conta de juros. A dívida até caiu, dado também o cresciment­o do PIB.

O teto móvel de gastos de Lula 3 já periclita. O “arcabouço fiscal” de Lula-haddad permite um certo aumento real de gastos a cada ano. Mas há despesas que crescem ainda mais: Previdênci­a (também por causa do aumento do salário mínimo), saúde e educação. O aumento dessas despesas achatará as demais (como a de investimen­to em obras). Haverá pressão, pois, para se relaxar o teto.

A não ser em caso de cresciment­o excepciona­l do PIB ou de impostos, inviáveis no futuro previsível, a dívida aumentará por muitos anos.

Não há um nível de dívida a partir do qual se desencadei­a necessaria­mente uma crise. Mas a situação é de perigo (em caso de nova rodada de aumento de juros por causa de inflação alta, por exemplo); implica cresciment­o econômico mais baixo. Dívidas são contidas com combinaçõe­s de cresciment­o econômico rápido, inflação, contenção de despesa e repressão financeira (achatament­o de juros, viável apenas em certos países e em certos contextos internacio­nais).

O que Lula 3 vai fazer?

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