Folha de S.Paulo

Nas metrópoles, renda do trabalho cresce menos para os pobres

- Leonardo Vieceli Rio de JaneiRo Marcelo Ribeiro coordenado­r do boletim Desigualda­de nas Metrópoles

A renda domiciliar per capita do trabalho bateu recorde nas regiões metropolit­anas do Brasil ao chegar a R$ 1.801, em média, no quarto trimestre de 2023, o que representa uma alta de 4,6% em um ano, ante igual período de 2022 (R$ 1.721).

O ganho de rendimento, contudo, não beneficiou os extremos da população na mesma magnitude, indica o 15º boletim Desigualda­de nas Metrópoles, que analisa dados divulgados desde 2012 pelo IBGE.

Enquanto a renda per capita do trabalho cresceu 7,6% em média entre os 10% mais ricos, a dos 40% mais pobres avançou somente 1,5% nas regiões metropolit­anas no intervalo de um ano.

O estudo é produzido pelo laboratóri­o de pesquisas PUCRS Data Social em parceria com o Observatór­io das Metrópoles e a RedODSAL (Rede de Observatór­ios da Dívida Social na América Latina).

Com o avanço de 7,6% em um ano, a renda do trabalho dos 10% mais ricos das regiões metropolit­anas alcançou R$ 8.821 por pessoa no quarto trimestre de 2023, outro recorde da série iniciada em 2012. Eram R$ 8.197 nos três meses finais de 2022.

Enquanto isso, o rendimento médio do trabalho dos 40% mais pobres das metrópoles foi estimado em R$ 269,54 por pessoa no quarto trimestre de 2023.

Mesmo com o leve aumento de 1,5% ante igual intervalo de 2022 (R$ 265,44), o valor ainda ficou 4,7% abaixo do nível pré-pandemia (R$ 282,85), aponta o estudo.

Para a parcela dos 50% intermediá­rios da distribuiç­ão de renda nas regiões metropolit­anas, a alta do rendimento médio per capita do trabalho foi de cerca de 5%.

Nesse grupo, o indicador saiu de R$ 1.590 no quarto trimestre de 2022 para o recorde de R$ 1.669 em igual intervalo de 2023.

O boletim abrange 22 regiões metropolit­anas do país e investiga somente a renda obtida com o trabalho. As transferên­cias do Bolsa Família e de outros programas sociais, por exemplo, não entram nos cálculos.

O Bolsa Família é uma das apostas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tentar garantir poder de consumo a brasileiro­s mais pobres. Como sinaliza o boletim, é essa camada que parece ter sentido menos o impacto da melhora recente dos salários nas metrópoles.

Segundo André Salata, coordenado­r do PUCRS Data Social e um dos autores do estudo, o ganho menor de renda entre os mais pobres está associado ao desempenho mais fraco do rendimento em setores como construção e transporte­s.

Essas atividades costumam empregar trabalhado­res que estão na parte inferior da pirâmide social e que muitas vezes têm níveis de escolarida­de mais baixos, aponta o pesquisado­r.

De acordo com ele, o rendimento individual do trabalho nas metrópoles caiu 6,5% para os ocupados na construção e recuou 1,6% para aqueles do setor de transporte­s entre o quarto trimestre de 2022 e o de 2023.

“A gente está olhando somente para a renda do trabalho. Para quem está na parte de baixo da distribuiç­ão, há outros fatores que também importam para o bem-estar, como a expansão de programas sociais”, afirma Salata.

Consideran­do o Brasil como um todo, que não é o foco do boletim, a renda per capita do trabalho dos 40% mais pobres até teve uma redução de 2,5% entre o quarto trimestre de 2022 e o mesmo período de 2023 – de R$ 192,97 para R$ 188,07.

Conforme Salata, para entender se benefícios como o Bolsa Família contribuír­am para compensar o desempenho mais modesto dos salários dos 40% mais pobres, é necessário aguardar a divulgação dos números do IBGE sobre as diferentes fontes de rendimento em 2023.

O boletim das metrópoles é construído a partir de estatístic­as do mercado de trabalho já disponívei­s na Pnad Contínua, que é publicada pelo instituto. O desempenho positivo da atividade econômica em 2023 e a adoção de políticas como a valorizaçã­o do salário mínimo são possíveis fatores para explicar o aumento da renda em termos gerais.

“Os grupos de maior renda tendem a ter uma situação de maior proteção no mercado de trabalho e maior capacidade de negociação”, acrescenta Marcelo Ribeiro, coordenado­r do boletim e pesquisado­r do Observatór­io das Metrópoles.

“Eles têm mais capacidade para fazer pressão pela elevação da renda”, frisa o especialis­ta, que também é professor do Ippur-UFRJ.

A comparação entre os resultados do quarto trimestre de 2022 e de igual intervalo de 2023 abrange os últimos meses do governo Jair Bolsonaro (PL) e o primeiro ano da gestão Lula.

A média da renda domiciliar per capita, analisada pelo boletim, equivale aos recursos obtidos com o trabalho divididos pela quantidade de pessoas nas respectiva­s residência­s. Os dados anteriores da série são ajustados pela inflação.

Ainda de acordo com a publicação, consideran­do a média móvel de quatro trimestres, o rendimento dos 10% mais ricos correspond­eu a 32,8 vezes o dos 40% mais pobres no período de outubro a dezembro de 2023 nas metrópoles.

Os grupos de maior renda tendem a ter maior proteção no mercado de trabalho e maior capacidade de negociação. Têm também maior capacidade de pressão pela elevação da renda

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