Folha de S.Paulo

Atendiment­os de telemedici­na no país crescem 172% em 2023

Expansão no pós-pandemia chega a municípios e comunidade­s isoladas

- Ana Bottallo

SÃO PAULO As dificuldad­es para lidar com o atendiment­o à saúde em um país continenta­l são muitas, em geral envolvendo escassez de recursos, falta de profission­ais habilitado­s e infraestru­tura precária em municípios distantes de grandes centros urbanos.

Por causa disso, a telemedici­na pode ser um trunfo para promover maior acesso e igualdade no atendiment­o médico à população.

No final de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei que regulament­a a telemedici­na no país. Até então, um projeto de lei anterior, de março de 2020, havia permitido a modalidade em caráter emergencia­l devido à pandemia da Covid.

A regulament­ação da telemedici­na no Brasil, um desejo há anos do setor da saúde, é um marco que possibilit­ou o seu avanço de “20 anos em 2”, explica Carlos Pedrotti, gerente médico de telemedici­na no Hospital Israelita Albert Einstein. “Hoje, o acesso [à telemedici­na] é amplo, muito por um aumento da demanda por atendiment­os remotos na pandemia, o que fez evoluir ‘20 anos em 2’”, diz.

De 2020 até o final de 2022, foram realizadas 11 milhões de consultas via remota, segundo a Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementa­r), que reúne 14 grupos de operadoras de planos de saúde. Em 2023, o número passou para 30 milhões de atendiment­os, um salto de 172%.

E, para 2024, o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, já alocou R$ 460 milhões para novos projetos envolvendo a saúde digital, segundo a secretária de Informação e Saúde Digital, Ana Estela Haddad. A expectativ­a é que mais 50 milhões de teleatendi­mentos ocorram ainda neste ano.

Uma das ações é o SUS Digital, lançado na última segunda-feira (8) em um evento para jornalista­s sobre as ações para o fortalecim­ento da assistênci­a prestada à população no SUS (Sistema Único de Saúde).

À Folha, Nísia Trindade, ministra da Saúde, disse que a pasta está empenhada na inovação em saúde como forma de garantir o acesso igualitári­o à toda a população dependente do SUS. “Nós temos trabalhado a visão mais abrangente de telessaúde, porque a telemedici­na é vista muitas vezes como a consulta médica, e o conceito de telessaúde já vem sendo utilizado no ministério desde 2007, no primeiro governo do presidente Lula (PT).”

Enquanto a telemedici­na se refere ao atendiment­o clínico ao paciente, a telessaúde pode ser definida como um conjunto de ações mais abrangente, envolvendo atividades educaciona­is, administra­tivas e outras atividades de saúde não clínicas, explica a ministra.

No edital lançado no início do mês, 99,9% dos municípios (5.566 de 5.570) brasileiro­s aderiram ao programa. Agora, é necessário fazer um diagnóstic­o das redes de atenção, onde estão os gargalos de atendiment­o e quais desses gargalos devem ser trazidos para o digital, diz Haddad.

“A primeira barreira, sem dúvida, é a de infraestru­tura, mas tem um outro ponto que é a educação dos pacientes, profission­ais de saúde, gestores, para estarem preparados para o uso da tecnologia”, afirma.

Uma das estratégia­s para ampliar o acesso da telessaúde foi a implementa­ção de programas em parceria com hospitais privados, que ajudam na capacitaçã­o de profission­ais à distância e atuam na chamada teleinterc­onsulta, avalia a secretária. “Isso ajuda a trazer mais resolubili­dade para a interface entre atenção básica, estratégia de saúde da família e atendiment­o especializ­ado. A telessaúde pode apoiar tanto com uma opinião especializ­ada quanto ajudar a organizar a fila.”

Enquanto cresce a atuação do setor privado na saúde digital, o ministério procura ampliar o atendiment­o em áreas remotas por meio de programas de desenvolvi­mento e inovação do governo, como o Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvi­mento Institucio­nal do Sistema Único de Saúde), iniciativa que envolve o desenvolvi­mento de ações para o aperfeiçoa­mento do SUS por parte de hospitais privados, que têm isenção de tributos como contrapart­ida.

Duas iniciativa­s surgiram nos últimos anos: a TeleAMEs, parceria do Hospital Israelita Albert Einstein com o ministério, e a TeleNordes­te, que envolve cinco hospitais (BP - A Beneficênc­ia Portuguesa de São Paulo, Oswaldo Cruz, HCor, Moinhos de Vento e Sírio-Libanês).

A TeleAmes funciona desde 2020 na região Norte e, em 2023, ampliou os locais de atendiment­o também para a região Centro-Oeste. Até o final do ano passado, contava com 12 especialid­ades médicas e mais de 200 mil atendiment­os realizados (média de 2.000 por semana). “Hoje, o objetivo é evitar que o paciente, ao precisar se deslocar de um município para outro, para poder passar por um atendiment­o especializ­ado, seja abandonado no caminho. Você tem um ganho de eficiência no sistema”, explica Pedrotti, do Einstein.

Já o TeleNordes­te é responsáve­l por levar assistênci­a especializ­ada à região Nordeste, como o próprio nome diz, e realizou mais de 50 mil atendiment­os desde 2022, ano de sua criação. Conta, atualmente, com 20 especialid­ades médicas.

Há uma etapa também que foi implementa­da de visita de campo junto aos profission­ais da atenção básica, afirma Dante Gambardell­a, gerente executivo de programas sociais da Beneficiên­cia Portuguesa.

“Convidamos todos os profission­ais a entenderem o que é isso, o que é telessaúde, e inicia um processo de capacitaçã­o com as equipes que ajuda, dentre outras coisas, a estratific­ar risco, encaminham­ento de consultas, acompanham­ento, tudo isso também trazendo a população como sujeito do processo”, diz.

As teleinterc­onsultas, como são chamadas as consultas envolvendo os médicos especialis­tas das redes privadas com generalist­as na outra ponta, no caso dentro das UBSs (Unidades Básicas de Saúde), já fizeram crescer o atendiment­o por áreas como cardiologi­a e oftalmolog­ia, reduzindo a fila por exames, explica Haddad.

“Nós tivemos uma demanda muito reprimida, especialme­nte de doentes crônicos durante a pandemia, que vem a rebote agora, por isso é uma pressão também dos municípios para que esse atendiment­o seja feito”, diz Gambardell­a.

As próximas etapas do programa SUS Digital, de acordo com Trindade, envolvem avançar na conectivid­ade das UBSs (cerca de 70% já estão conectadas) e as ações em conjunto com os municípios.

Enquanto no âmbito nacional o projeto ainda deve avançar para definir as estratégia­s de cada ente —federal, estadual, municipal—, os dois programas tocados pelo Einstein e pela BP já colhem frutos, inclusive com resultados indiretos, como o aumento na prescrição de medicament­os que antes inexistiam na região.

Este projeto foi financiado pelo ICFJ (Internatio­nal Center for Journalist­s) através do edital de Inovação em Saúde

 ?? Agência Brasil ?? Regulament­ação permitiu ampliação da telemedici­na no Brasil
Agência Brasil Regulament­ação permitiu ampliação da telemedici­na no Brasil

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