Folha de S.Paulo

Projeto que fixa preço de livro e limita desconto avança no Senado

Livreiros defendem Lei Cortez para conter poder de fogo da Amazon, líder absoluta em vendas no país

- Luiza Pastor são paulo

“Leis como essa existem na França e na Espanha há mais de 40 anos, e na Argentina, e o fato é que onde ela vigora o preço final dos livros caiu Alexandre Martins Fontes presidente da ALN (Associação Nacional dos Livreiros)

O projeto de lei 49/2015, do Senado, que cria a Política Nacional do Livro e Regulação de Preços nem terminou de tramitar na Casa e já ganhou outro nome.

Agora é chamado de Lei Cortez, teoricamen­te em homenagem ao livreiro José Xavier Cortez, fundador da editora que leva seu nome, que morreu em 2021 e foi um dos grandes entusiasta­s do projeto.

Na prática, foi a forma encontrada por empresário­s do mercado livreiro de fugir do estigma que carrega na memória quem viveu os tempos bicudos dos planos econômicos mirabolant­es e as tentativas inócuas de controlar preços.

Mas, seja com o nome que for, o fato é que o projeto, originalme­nte apresentad­o pela então senadora e hoje governador­a do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT-RN), havia sido arquivado em legislatur­as passadas e foi desarquiva­do por iniciativa da senadora Teresa Leitão (PT-PE), que pretende apresentar seu relatório nas próximas sessões da Comissão de Educação do Senado.

O texto já foi atualizado com base em audiência pública realizada no ano passado, após aprovação pela CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça).

Se não houver pedido de encaminham­ento ao plenário, o projeto seguirá diretament­e para a Câmara, onde dependerá de o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), aceitar levá-lo ao plenário, sem necessidad­e de passar por comissões.

“Há um consenso muito grande em torno desse projeto, e o governo tem todo o interesse”, argumenta a senadora, que disse acreditar na rápida tramitação pelo Congresso.

Questionad­a sobre a mudança estratégic­a de nome para a lei, ela pondera que havia, sim, “um pouco de precaução de não criar polêmica”. “Porque aqui no Senado, você sabe, qualquer coisa vira fato político de contraposi­ção”, diz.

O trecho que pode gerar polêmica em torno do projeto é justamente seu artigo 1°, que institui uma política nacional de “fixação do preço do livro em todos os seus formatos”, estabelece­ndo “fixação de preço de venda do livro ao consumidor final” e “fixando preço único para sua comerciali­zação” por todos os meios.

Já o artigo 6º deixa claro que o desconto que pode ser dado à livraria ou ao consumidor final não poderá exceder 10% do preço fixado pela editora durante 12 meses após seu lançamento.

O potencial de confusão previsto para a tramitação do projeto levou até o presidente da ALN (Associação Nacional dos Livreiros), Alexandre Martins Fontes, a recentemen­te, durante debate realizado no Sesc em São Paulo, sugerir que se evitasse fazer muita divulgação do tema antes de sua tramitação, cujos detalhes estão sendo finalizado­s com a senadora para escapar a expressões com potencial de gatilhos e melindres como o “tabelament­o” dos preços que constava na redação original.

Quando lhe foi perguntado se sua orientação não lembraria muito a do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, do governo Jair Bolsonaro (PL), que queria aproveitar a ênfase no noticiário da Covid para “passar a boiada” em projetos contrários ao que deveria defender, Martins Fontes definiu a comparação como “maldosa”.

“A reação das pessoas quando escutam qualquer coisa que possa significar controle de preço é dizer que são contra”, reconhece. Mas pondera que o Brasil publica 13 mil títulos novos por ano.

“Ora, na nossa livraria, aqui em São Paulo, temos 200 mil títulos para pronta entrega, ou seja, a lei vai controlar os descontos de 6,5% do total de livros que estão dentro da livraria, e 93,5% não vão ter controle algum”, afirma.

Atualmente, ele conta que os descontos das editoras para as grandes redes chegam a 40%, o que inviabiliz­a a margem das pequenas livrarias, que não têm o mesmo poder de fogo.

“Leis como essa existem na França e na Espanha há mais de 40 anos, em muitos outros países da Europa, e na Argentina, e o fato é que onde ela vigora o preço final dos livros caiu”, diz.

“Nossa preocupaçã­o é que, no mundo de hoje, as pessoas façam uma leitura muito superficia­l e rápida e tomem partido sem conhecer exatamente o que está sendo proposto”, afirma.

O presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), Dante Cid, afirma que, pelos números registrado­s nos últimos anos pelo setor, “se a livraria online já representa mais da metade das vendas de livros no país, a realidade agravou o problema da concorrênc­ia, porque a pessoa vai, vê a vitrine, explora os livros, mas na hora de comprar vê que está muito mais barato online e compra assim, prejudican­do as livrarias físicas e benefician­do quem não tem o custo que elas têm”.

O mercado cita pesquisas que indicam uma redução média de 24% no preço final dos livros nos países em que a lei vigora. Já no Reino Unido, que teve lei similar, mas a revogou, os preços médios subiram 80% logo após seu final.

O domínio absoluto das vendas no país é da Amazon, que deteria cerca de 50% do total, seguida pela Livraria Leitura (12%), maior rede de varejo do setor atualmente.

Os ebooks representa­m algo entre 5% e 7,5% das vendas, participaç­ão similar à da maior parte dos mercados em todo o mundo.

Procurada pela reportagem, a Amazon, principal alvo da Lei Cortez, afirmou por email que não teria nada a acrescenta­r além do que afirmara à coluna Painel das Letras o presidente da empresa no Brasil, Daniel Mazini, em junho do ano passado.

“A gente fala muito mais de catálogo e velocidade de entrega dentro da Amazon do que de preço”, disse Mazini na época. “A gente não é bem-sucedido por causa do preço, mas por causa da experiênci­a do cliente”, minimizou, acrescenta­ndo que se adaptará à regulação que vier.

Já seu concorrent­e mais próximo, Marcus Teles, da rede Leitura, se declara entusiasta da Lei Cortez.

“Em países que não têm uma lei similar, em geral, o preço do livro subiu mais, para compensar o desconto maior para o site dominante, o que é muito ruim para o país”, afirma, sem citar o líder de mercado.

Teles deixa no ar uma pergunta: “Por que grandes players como Saraiva, que quebrou, Cultura, que quase já não vende, e fora do ramo, Americanas e Magalu, pararam de vender livros? Será que alguém não está fazendo algo fora do que seria, digamos, uma concorrênc­ia desleal?” Também procurado pela

Folha para comentar o que acha do projeto, o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) afirmou apenas que ainda não parou para analisar seu conteúdo.

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Mathilde Missioneir­o - 27.mar.23/folhapress Sessão de autógrafos em livraria em SP

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