Folha de S.Paulo

Ações e reações

- Hélio Schwartsma­n

“Everyone Who Is Gone Is Here” (todo mundo que se foi está aqui), de Jonathan Blitzer, é um livro muito bem construído, desde já candidato a clássico sobre imigração.

Blitzer combina análise política com histórias humanas. Começa nas primeiras décadas do século 20, quando os EUA escolheram ditaduras amigas para apoiar, e termina nos dias atuais, detalhando disfuncion­alidades de governos de El Salvador, Guatemala e Honduras. A lupa do autor recai sobre personagen­s desses três países que em algum momento rumaram para os EUA e depois voltaram para a terra de origem, por vontade própria ou deportação.

A escala da tortura e da repressão chama a atenção. Se aqui, no cone Sul, a situação já foi trágica, nesses países da América Central ela assumiu proporções genocidas. Povoados inteiros foram dizimados ou deslocados. Perseguiçõ­es somadas à pobreza endêmica explicam o êxodo de salvadoren­hos, guatemalte­cos e hondurenho­s para os EUA.

Embora os EUA se descrevam como um país de imigrantes, latino-americanos pobres nunca foram recebidos com muita generosida­de. As políticas migratória­s variaram de um presidente para outro, mas sempre sob limites impostos pelo eleitorado. Mesmo Obama, que sempre fazia discursos progressis­tas, foi um dos governante­s que mais deportaram. Trump é hors-concours. Ele não só deportou industrial­mente como também deu início à política de separar filhos de seus pais, a quintessên­cia da crueldade.

Nas várias ocasiões em que os EUA apertaram as deportaçõe­s, nem se deram ao trabalho de avisar as autoridade­s centro-americanas de quem estavam mandando de volta. Com isso, exportaram milhares de membros de gangues, forjados na Los Angeles dos anos 80 e 90. Diante de um aparato policial muito mais corrupto e menos preparado, eles praticamen­te tomaram conta desses países. O combate a essas gangues é o que explica o apelo de governante­s extremista­s como Nayib Bukele.

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