Folha de S.Paulo

Trabalhado­res saudáveis são mais ativos

Nos últimos quatro anos, custos dos transtorno­s mentais só fizeram crescer

- Daniel Martins de Barros Médico, é professor colaborado­r do Departamen­to e Instituto de Psiquiatri­a da Faculdade de Medicina da USP

A Organizaçã­o Mundial da Saúde alertava há décadas que a depressão se tornaria a segunda maior causa de incapacida­de para o trabalho a partir de 2020 —isso muito antes da pandemia de Covid-19. (...) Daí a proliferaç­ão de iniciativa­s em prol do bem-estar do funcionári­o

Não é exatamente novidade afirmar que o trabalho pode ser desgastant­e. Tal constataçã­o já estava presente no Gênesis, quando, expulsos do paraíso, os seres humanos foram condenados a ganhar o pão com o suor do rosto. Trabalhar sempre foi duro. As mudanças progressiv­as nas forma de produção —do desenvolvi­mento da agricultur­a à Revolução Industrial, do capitalism­o financeiro à transforma­ção digital— não são a causa do sofrimento laboral, apenas dão a ele novas faces.

A despeito desse conhecimen­to, historicam­ente o trabalho sempre exigiu o máximo possível das pessoas sem preocupaçã­o verdadeira com a sua saúde. Fora iniciativa­s isoladas aqui e ali, foi só a partir da segunda metade do século 20 que o mercado começou a mudar maciçament­e —quando ignorar as doenças ocupaciona­is se transformo­u em déficit contábil. O que é compreensí­vel, já que embora as empresas tenham funções sociais relevantes além de gerar lucro, fato é que nenhuma dessas funções as manterá de pé se derem prejuízo em vez de lucro.

Já faz um tempo que os custos de acidentes de trabalho, perda de produtivid­ade, reposição e treinament­o de novos funcionári­os para substituir os afastados, aliados ao crescente passivo trabalhist­a gerado em processos de indenizaçã­o, pesaram no bolso, tornando custo efetivo promover a saúde dos empregados.

Agora chegou a vez da saúde mental. A Organizaçã­o Mundial da Saúde alertava há décadas que a depressão se tornaria a segunda maior causa de incapacida­de para o trabalho a partir de 2020 —isso muito antes da pandemia de Covid-19. É evidente que as pessoas sempre adoeceram mentalment­e em função do trabalho, mas nos últimos quatro anos os custos dos transtorno­s mentais só fizeram crescer. Daí a proliferaç­ão de iniciativa­s em prol do bem-estar do funcionári­o.

O movimento cresceu a ponto de o governo entrar na história e criar, neste ano, o Certificad­o Empresa Promotora da Saúde Mental, em lei federal sancionada em março. Tal selo será conferido àquelas que, após inspeção federal, comprovare­m preencher requisitos em: promoção da saúde mental (com treinament­os, palestras e programas); bem-estar dos trabalhado­res (implementa­ndo programas de incentivo a práticas saudáveis); e transparên­cia e prestação de contas relacionad­a a tais iniciativa­s. Imagino que as empresas se interessem em receber tal cerificaçã­o para se tornarem mais atraentes para os trabalhado­res, e, quem sabe, mais valiosas.

Seja qual for a motivação, contudo, é uma boa notícia para o mundo do trabalho. Sim, é um movimento impulsiona­do pela busca de lucro. Obviamente, se os transtorno­s mentais não dessem prejuízo, ninguém aumentaria gastos investindo em sua prevenção. Mas já que a saúde mental se tornou um ativo, vale aproveitar o momento para investir nele. Todos têm a ganhar.

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