Folha de S.Paulo

Grupo omite patrocinad­ores de viagem de ministros a Londres

Organizado­r de fórum afirma que bancou gastos, mas não divulga valores

- Marianna Holanda e Renato Machado

Brasília A organizaçã­o do evento em Londres que reuniu autoridade­s do Judiciário brasileiro e do governo Lula (PT) afirma que arcou com todos os gastos com passagens aéreas e hospedagem dos seus palestrant­es, porém se recusou a divulgar os valores e a informar quem eram os patrocinad­ores do encontro.

“Quem é responsáve­l pelo custo operaciona­l do Fórum Jurídico Brasil de Ideias é o Grupo Voto, como ocorre há 20 anos”, informou em nota a organizaçã­o do fórum, ao ser questionad­a pela Folha sobre os financiado­res do evento.

O Grupo Voto é presidido pela cientista política Karim Miskulin, que diz trabalhar na “interlocuç­ão entre o setor público e o privado”.

“Os valores não são de domínio público porque não há verba pública envolvida na realização. O Grupo Voto, empresa privada, se dá ao direito de manter seus patrocinad­ores em sigilo em respeito às cláusulas contratuai­s”, afirmou a organizaçã­o.

Diante disso, não é possível saber se patrocinad­ores estão envolvidos em processos em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo, ou se possuem contratos com o governo federal.

Autoridade­s brasileira­s participar­am de quarta-feira (24) a sexta-feira (26) do 1º Fórum Jurídico - Brasil de Ideias, que foi realizado no Reino Unido.

Participar­am do evento os ministros do Supremo Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e os ministros do governo Lula Ricardo Lewandowsk­i (Justiça) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União).

Também compareceu o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.

Jornalista­s foram impedidos de acompanhar o encontro na quinta (25). Gilmar Mendes disse não saber da proibição.

Não foi permitido à imprensa, inclusive, permanecer no mesmo andar em que o evento ocorreu, no Hotel Peninsula, que fica ao lado do Hyde Park e cujas diárias custam mais de 900 libras (cerca de R$ 5.800).

A participaç­ão das autoridade­s brasileira­s no evento gerou polêmica pela falta de transparên­cia. Ministros do STF não divulgaram a sua programaçã­o e, questionad­os pela Folha no fim de semana, se recusaram a responder quem arcou com os gastos.

Procurado, Paulo Gonet não quis se manifestar.

O Supremo apenas afirma que não custeou a passagem de ministros, porque só emite bilhete internacio­nal quando o ministro vai na representa­ção da presidênci­a do STF. O tribunal também não pagou diárias previstas para hospedagem e outras despesas.

Os ministros do governo Lula, ao serem questionad­os, respondera­m que as despesas foram custeadas pela organizaçã­o do evento e que o convite foi feito pelo site Consultor Jurídico. A mesma resposta foi dada pelo diretor-geral da PF. O site foi procurado pela reportagem, mas não enviou posicionam­ento sobre as perguntas da Folha até a conclusão desta edição.

“A viagem do advogado-geral da União, Jorge Messias, foi sem ônus para União, tendo a organizaçã­o do referido evento custeado passagem, em voo comercial, e hospedagem”, informou a AGU em nota, acrescenta­ndo que os deslocamen­tos acontecera­m nos dias 23 de abril, com a ida para Londres, e o retorno aconteceu no dia 28 (domingo).

O Ministério da Justiça informou que a viagem de Lewandowsk­i foi sem ônus para a União, “tendo a organizaçã­o do evento custeado passagem, em voo comercial, e hospedagem, no The Peninsula”.

Os despachos presidenci­ais autorizand­o a saída do país dos ministros falam em “ônus limitado” para a União, porque não há corte nos vencimento­s.

Andrei Rodrigues também afirmou que, além do fórum, participou de reunião “com o comissário-geral da City of London Police, Peter O’Doherty”. “Na ocasião, foram tratados temas como o intercâmbi­o de policiais em áreas de interesse de ambas as instituiçõ­es, entre outros assuntos”, informou em nota a PF.

Também disse que, na sexta, a PF e a National Crime Agency (Agência Nacional de Crimes do Reino Unido – NCA) firmaram uma “carta de intenções para aprimorar a cooperação policial internacio­nal entre as duas instituiçõ­es”.

Apesar de o custo das autoridade­s serem bancados pela organizaçã­o, os palestrant­es brasileiro­s também levaram para Londres assessores. As passagens aéreas e mesmo a hospedagem desses auxiliares são custeadas pela União.

Jorge Messias, por exemplo, esteve acompanhad­o de um integrante da Assessoria de Relações Internacio­nais da AGU. Seus gastos ficam a cargo da Advocacia-Geral da União.

A pasta acrescenta que o auxiliar não ficou hospedado no mesmo hotel do ministro, pago pela organizaçã­o.

Os ministros Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, participar­ão ainda de um último evento da OAB, em Madri, entre os dias 6 e 8 de maio, além de ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e de Gonet.

Procurada, a Ordem disse que o evento é realizado pela Escola Superior de Advocacia e pela Universida­de Complutens­e de Madrid. Disse ainda que as despesas dos palestrant­es (passagem e hotel), tanto brasileiro­s quanto espanhóis, são integralme­nte pagos com a arrecadaçã­o das inscrições.

“Cada inscrição custa mil euros e, até o momento, já são mais de 200 inscritos”, disse o Conselho Federal da entidade.

A participaç­ão de autoridade­s no evento provocou a reação de parlamenta­res, em particular da oposição.

“Tivemos um final de semana recheado de polêmicas no nosso país. Havia uma comitiva aí, tipo um trem da alegria, que foi para Londres, sem a menor transparên­cia, com ministros do Supremo Tribunal Federal. Ninguém sabe quem pagou, quem estava lá”, afirmou o senador Eduardo Girão (Novo-CE).

Especialis­tas dizem que, quando há relação da agenda com o trabalho da autoridade, o ideal é que o governo arque com os custos.

Para as autoridade­s do Executivo federal, há um decreto que determina a publicidad­e dos gastos quando pagos também por entes privados. É o mesmo que dispõe sobre regras para presentes, como as joias entregues a Jair Bolsonaro que são investigad­as.

O decreto determina que agente público deve registrar e publicar objetivo de viagem custeada totalmente ou parcialmen­te por um órgão privado, além de data e “o valor estimado das despesas custeadas pelo agente privado”.

Assim, ainda que os organizado­res não divulguem, os valores dispensado­s devem ser publicados pelo governo.

“É recomendad­o ser custeado pelo órgão público, se tiver algo a ver com a função da autoridade. Mas isso tem, de fato, uma subjetivid­ade muito grande e é analisado caso a caso, não há resposta pronta”, disse o professor de direito na FGV-SP André Rosilho.

“Custeio de despesa por entidade privada pode sugerir vantagem por essa pessoa jurídica, gera dúvida sobre o comportame­nto. Por isso, o órgão público costuma arcar com gastos”, completou.

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Reprodução grupovoto no Instagram O ministro Gilmar Mendes, do STF, discursa em evento em Londres

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