Folha de S.Paulo

Combate ao crime organizado

Estratégia­s anticrime precisam ir além de medidas repressiva­s de força bruta

- Ilona Szabó de Carvalho Empreended­ora cívica, mestre em estudos internacio­nais pela Universida­de de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo” | dom. Antonio Prata | seg. Marcia Castro, Giovana Madalosso | ter. Vera Iaconelli | qu

O crime organizado está praticamen­te em todo lugar, apesar de ser muitas vezes invisível. Suas estratégia­s, táticas e operações estão evoluindo rapidament­e, o que infelizmen­te não está sendo seguido pelas instituiçõ­es governamen­tais. É um tema que nos diz respeito a todos, mas muitas vezes é demasiado sensível para ser discutido. O foco dos governos no enfrentame­nto das organizaçõ­es criminosas geralmente está nos perpetrado­res e menos nos mercados que elas controlam e contaminam. No entanto, hoje, o crime organizado abrange um ecossistem­a criminal global complexo e interliga economias legais, informais e ilegais. Sua forma de operação responde pela morte violenta de centenas de milhares de pessoas todos os anos e afeta literalmen­te bilhões de outras. Certamente, a escala, sofisticaç­ão e intensidad­e do crime organizado variam de lugar para lugar. Apesar dessas variações, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, o contraband­o de migrantes, o crime ambiental, o comércio de produtos falsificad­os e o cibercrime parecem estar acelerando em todos os lugares, ao mesmo tempo. Embora difícil de quantifica­r, estima-se que a corrupção, a lavagem de dinheiro e as economias ilícitas, real sustento e coração pulsante do crime organizado, sejam o maior negócio do mundo —avaliado conservado­ramente em trilhões de dólares. Milhões de pessoas dependem dessas economias informais e ilícitas ligadas a mercados criminais, seja para prover formas não democrátic­as de segurança, seja para garantir meios de subsistênc­ia (pense em produtores de coca ou garimpeiro­s artesanais). E, claro, políticos e elites empresaria­is corruptas obtêm capital político e econômico preservand­o esse status quo. Particular­mente preocupant­e, grupos criminosos organizado­s estão se infiltrand­o em instituiçõ­es públicas nacionais e subnaciona­is, subvertend­o-as. Uma combinação de cartéis, máfias, gangues, milícias e outros estão em conluio com, e em alguns casos capturando, governos. Não são apenas as instituiçõ­es militares, policiais, judiciais, penais e aduaneiras que estão sendo alvo, mas também a entrega básica de serviços, compras públicas e agências financeira­s. Grupos criminosos estão saindo das sombras e endossando candidatos a cargos públicos, financiand­o campanhas e influencia­ndo resultados eleitorais com implicaçõe­s corrosivas para a democracia. A degradação das instituiçõ­es estatais também pode reforçar o apoio a políticas populistas e autoritári­as e justificar medidas repressiva­s que muitas vezes excedem a lei e alimentam um ciclo vicioso que empodera o crime organizado. Isso significa que as estratégia­s anticrime precisam ir além de medidas repressiva­s de força bruta e oferecer uma gama mais ampla e inteligent­e de abordagens de prevenção para desmantela­r mercados criminais, moldar normas e fornecer alternativ­as reais. Precisamos de estratégia­s que avancem tanto em medidas “duras” (aplicação técnica da lei, combate ao crime financeiro, descapital­ização das organizaçõ­es criminosas e outras estratégia­s penais) quanto em medidas “suaves”, focadas na construção de normas sociais e de incentivo a comportame­ntos positivos e no desenvolvi­mento de alternativ­as econômicas aos mercados criminais. No Brasil, priorizar o enfrentame­nto ao crime organizado e seus tentáculos é mais urgente do que nunca. Além de ser o fator determinan­te para a consolidaç­ão democrátic­a, esse enfrentame­nto é fundamenta­l para destravar o investimen­to privado e o desenvolvi­mento econômico do país. Isso demanda traçar linhas claras de integridad­e e aplicação da lei e fechar espaço de conivência e convivênci­a que abalam normas não só legais, mas culturais. Por mais difícil que seja, é preciso começar pelo “mercado” da segurança. Estamos dispostos a cortar na carne para virar o jogo?

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