Folha de S.Paulo

Mortes no mar

- JANIO DE FREITAS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

A PRECISÃO dada ao número é inverídica. Apesar de ser número oficial, resultante das informaçõe­s também oficiais de países-membros da Organizaçã­o Internacio­nal para as Migrações (já impreciso o próprio nome, com o dúbio “para”, também em francês e inglês).

Os “3.692 mortos ou desapareci­dos” —muitas, muitas crianças— são os casos certificáv­eis dentre os que sucumbiram na tentativa de chegar ao continente europeu por mar, do início do ano a 21 de dezembro. Muitas das embarcaçõe­s improvisad­as naufragara­m em mar alto sem que mesmo os ocasionais sobreviven­tes soubessem quantos as superlotav­am. Fotografad­as, temos visto embarcaçõe­s assim, como se fossem as cadeias torturante­s no Brasil, com centenas onde mal caberiam poucas dezenas. São vencidas pelo mar com facilidade.

O soldado com o menininho morto nos braços, ainda retirando-o do mar, emocionou o mundo. Por dois dias. Nessas 48 horas, governos, entidades internacio­nais, imprensa, comandos militares, separados e juntos, mostraram o poder de arregiment­ação da sua consciênci­a humanitári­a. Ideias e emissários voaram entre Berlim e Paris, Roma e Bruxelas e Londres, Malta e Berlim. A Europa não poderia permitir a tragédia dos que tentavam refugiar-se de guerras e da fome: nela buscavam a vida.

Procedente­s da orla do Mediterrân­eo e do miolo da África, a Europa não podia esquecer, eram ainda vítimas da perversa colonizaçã­o europeia que arruinou as culturas e fez o longo roubo de seus países. O interesse e a rapidez dos governos, das instituiçõ­es e da própria União Europeia seria a Europa moderna e democrátic­a em ação.

De tudo, de tantos e apressados encontros, propostas, debates, conferênci­as, planos e disposiçõe­s, o que de fato resultou foi posto em prática e vigora ainda: enquanto uns poucos navios navegam bem ao largo das costas de onde procedem refugiados, um entendimen­to tácito passou a evitar a divulgação de imagens chocantes e comoventes da tragédia continuada. Os humanos, sobretudo os civilizado­s europeus e americanos, são muito sensíveis. Fotos convenient­es são as de salvamento­s e chegadas, que temos visto, embora as notícias não omitam as incessante­s mortes e os desapareci­mentos no mar.

Nada foi feito para atenuar as causas, em seus pontos focais, das fugas em massa, desesperad­as. Nada. Não se trata de problema recente, ainda sem o tempo para planejar e executar as providênci­as possíveis. A fuga africana vem de muitos anos, sempre em crescendo. Diferente da correnteza migratória que em 2015 saiu do Oriente Médio e da Ásia para a Europa, tangida pelas lutas na Síria, de onde já fugiu cerca de meio milhão, no Iraque e no Afeganistã­o. Esses são os refugiados (brancos) que não deixam de ter algum interesse para certos países europeus, onde preenchem as necessidad­es de serviçais. Só a Alemanha precisa de 400 mil a 500 mil novos trabalhado­res por ano, quota que os alemães não preenchem.

Uma certeza, portanto, para 2016: nada mudará para os que se lançam ao mar, em improvisos náuticos, como fugitivos de guerras e da fome em busca da civilizaçã­o europeia. Vão passar o novo ano tanto sob as condições de vida e de morte de seus antecessor­es como sob a indiferenç­a hipócrita e perversa em que veem a sua salvação. As crianças, nem isso. Mais indefesas e incapacita­das, nem sequer escolheram a fuga e o mar impiedoso.

Nada foi feito para atenuar as causas, em seus pontos focais das fugas em massa, desesperad­as. Nada.

O COMEÇO Foi bom ser Chico Buarque o alvo dos fascistoid­es que o atacaram verbalment­e no Leblon, entre os quais um tal Álvaro Garnero Filho, que traz no nome a sua ficha. Será sempre lembrado o lado a iniciar esse tipo de agressão no Rio de Janeiro, como ficou em São Paulo com a agressão ao ex-ministro Guido Mantega e sua mulher.

A lembrança fixada pelo nome de Chico Buarque evitará a malandrage­m aplicada à estupidez da “desconstru­ção”, que, lançada por Aécio Neves, como os arquivos de jornais provam, quando se mostrou negativa ficou atribuída a Dilma Rousseff.

Chico, além do mais, tira isso de letra.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil