Folha de S.Paulo

Ter ou não ter

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RIO DE JANEIRO - Quando se descobriu que uma generosa operadora de celular construíra uma torre a 100 metros do seu sítio que não lhe pertence em Atibaia, o presidente Lula pareceu surpreso: “Mas eu nem tenho celular!”. Ao ler isto, vibrei. Assim como o presidente, também não tenho celular, o que me obriga, nas emergência­s, a usar um orelhão ou apelar para o português do botequim. A ideia de Lula falando num orelhão de esquina ou esperando que o portuga lhe ceda graciosame­nte o aparelho tornou-o, aos meus olhos, quase humano.

Mas eis que, nesta quarta-feira, a ex-presidente Dilma precisou falar com ele ao telefone. Pois nem vacilou. Ligou para um determinad­o número de celular e, em questão de segundos, ele respondeu: “Alô!”. Dilma queria comunicar-lhe que o documento que o livraria de uma provável temporada em Curitiba já estava a caminho. E qual celular era este? O do segurança que acompa- nha o presidente há dez anos e que, como todo celular habilitado, serve para mandar e receber mensagens.

Assim não vale, pensei. Se é para não ter celular, não se pode usar o de terceiros. A não ser que Lula também não soubesse que seu segurança mais íntimo andava com um no bolso, e cujo número era do conhecimen­to do círculo mais chegado ao presidente. Aliás, nunca a expressão “terceiros” foi tão exata: o celular de Lula, que não lhe pertence, mas ao seu auxiliar, está registrado em nome de uma terceira pessoa, um laranja.

E ponha terceiros nisso. Segundo a colunista Natuza Nery, da Folha, a Polícia Federal encontrou outros seis celulares no apartament­o do presidente em São Bernardo. Imagino a surpresa dele ao saber disto.

Tudo é complicado quando se trata do presidente Lula. Mas ele tem razão em não querer saber de celulares. Eles têm ouvidos, como este que recebeu a chamada da ex-presidente Dilma.

MARTA SUPLICY

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