Folha de S.Paulo

Estratagem­a russo

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Na semana em que a guerra na Síria completa cinco anos, a Rússia surpreende­u a todos com a decisão de retirar parte de suas forças que atuam no país árabe.

Consoante ao estilo do presidente russo, Vladimir Putin, o anúncio da saída foi tão inopinado quanto o da entrada no conflito, há quase seis meses. A explicação de Moscou é que “a tarefa colocada (...), em sua totalidade, foi cumprida”.

Da perspectiv­a do Kremlin, com efeito, a intervençã­o militar pode ser considerad­a um sucesso. Em primeiro lugar, mudou o rumo da guerra em favor do regime de Bashar al-Assad, maior aliado russo no Oriente Médio, que vinha sofrendo sucessivas derrotas. Com a ajuda, o governo sírio reconquist­ou 400 cidades e retomou o controle sobre uma área de 10 mil km2.

Do ponto de vista geopolític­o, o Kremlin restabelec­eu o papel de ator relevante no Oriente Médio. Mais, se colocou como peça crucial da solução do conflito, tendo alinhavado, com os Estados Unidos, tanto o frágil cessar-fogo hoje em vigor como a nova rodada de negociaçõe­s de paz.

Acompanhad­o de uma retórica triunfalis­ta, o anúncio da retirada parcial de forças tem, ademais, efeitos positivos no âmbito doméstico. No momento em que a Rússia sofre com sanções devido ao conflito na Ucrânia e com a derrocada do preço do petróleo, a imagem de um Putin vitorioso granjeia apoio na opinião pública e ajuda a desviar a atenção da crise econômica.

Não é coincidênc­ia a decisão de Moscou ter vindo a público no mesmo dia em que recomeçara­m as negociaçõe­s de paz na Suíça —que visam encerrar um conflito que deixou mais de 400 mil mortos e obrigou 5 milhões a abandonar o país.

Ao diminuir suas forças, Putin busca projetar a imagem de estar comprometi­do com o fim do conflito. Analistas interpreta­ram a retirada militar como uma maneira de pressionar Assad a negociar, visto que o ditador vinha se tornando maisinflex­ível à medida que mudava sua sorte no campo de batalha.

Seja como for, o fato de a Rússia manter duas importante­s bases sírias em operação deixa claro que suas forças permanecer­ão prontas para combater caso as negociaçõe­s de paz não avancem ou o regime de Assad volte a sofrer derrotas.

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