Folha de S.Paulo

Na relação com a imprensa, segue a lua de mel com os grandes meios, que passaram

- Dez. 2015 Fev. 2016 LUCIANA DYNIEWICZ

“Há anos que não via essa estrada tão movimentad­a”, contou à Folha Midonio Suaréz, que trabalha num posto de gasolina na estrada que leva a Córdoba. Ao longo da rota se vê movimento intenso de entra e sai nas propriedad­es.

“Todos os fazendeiro­s que guardavam seu estoque para vender depois que trocasse o governo estão agora esvaziando os armazéns”, disse Sergio Serrano, motorista que levava uma carga de soja para ser exportada a partir do porto de Rosário.

Logo após assumir a Presidênci­a há exatos cem dias, Mauricio Macri retirou impostos de vários produtos agropecuár­ios e reduziu o da soja, um dos principais produtos de exportação argentinos.

A imagem de caminhões cheios de mercadoria em Córdoba exemplific­a o entusiasmo de exportador­es, empresário­s e do mercado com a troca de mando na Argentina.

A animação é embalada pelos elogios que publicaçõe­s estrangeir­as, como a britânica “The Economist”, fazem às primeiras medidas de Macri.

Melhorar a economia, destravand­o exportaçõe­s e trazendo de volta os investimen­tos estrangeir­os, é prioridade de sua gestão. Mas, com as primeiras ações, também surgiram as primeiras dificuldad­es. DESAFIOS O principal e mais imediato desafio é conter a inflação. Segundo consultora­s independen­tes, o índice já passa de 35%. Não há dados oficiais, uma vez que o Indec (o IBGE argentino) havia sofrido intervençã­o durante a administra­ção Kirchner.

Quando assumiu, Macri prometeu reorganiza­r o órgão e devolver-lhe a autono- mia. Mas o governo anunciou que, por conta da reforma, novos números oficiais só sairão em setembro.

“A verdade é que ninguém mais sabe o preço de nada”, diz Maria Ester, dona de um café em Palermo, enquanto elenca a variedade de valores que pode custar, no próprio bairro portenho, um tradiciona­l café com medias lunas.

Outro desafio será conter a desvaloriz­ação do peso causada pelo fim do cerco ao dólar. O câmbio oficial, em dezembro, vendia a moeda norte-americana por 9 pesos. Agora, o dólar pode ser comprado por 15, com o governo injetando dinheiro constantem­ente para impedir que ultrapasse os 16 pesos.

Fora da área econômica, o grande desafio de Macri tem sido chegar à prometida conciliaçã­o da sociedade, ou o fim da chamada “grieta”, acentuada durante o kirchneris­mo.

Uma série de demissões em estatais, porém, tem levado oposicioni­stas às ruas e elevado o nível de tensão no Congresso, de maioria peronista.

O governo diz que os demitidos são “nhoquis” —funcionári­os públicos que não trabalham. Líderes sindicais e de esquerda, como Nicolás Del Caño, dizem que Macri não teve tempo para avaliar corretamen­te os funcionári­os e que as demissões foram políticas.

Enquanto isso, o presidente assiste ao rearranjo de sua base de apoio. O peronismo continua dividido: sua ala mais à direita permanece ao lado do presidente; a ala mais à esquerda parte para o questionam­ento aberto.

Algumas das lideranças que o apoiaram no segundo turno, como Sergio Massa, Elisa Carrió e Margarita Stolbizer já se distanciam e fazem críticas a suas medidas.

LUA DE MEL a fazer uma cobertura favorável de Macri assim que perceberam suas chances reais de vencer o kirchneris­mo.

A nova gestão retribuiu, liberando concessões de TV do Grupo Perfil, permitindo que o Grupo Clarín comprasse a Nextel e distribuin­do entre emissoras privadas alinhadas partes do Fútbol para Todos, projeto de Cristina Kirchner que havia estatizado todas as transmissõ­es de futebol.

O futuro do governo Macri depende da economia. Se de fato conseguir atrair o investimen­to estrangeir­o e estimular as exportaçõe­s ganhará prestígio internacio­nal e garantirá o apoio interno.

Se o argentino médio, porém, sentir que a inflação continua aumentando e que o dinheiro de seu bolso vale cada vez menos, o presidente arrisca sofrer uma queda de popularida­de —que já está ocorrendo—, mais acentuada, com impacto em suas condições de governabil­idade. Medidas e promessas Demissões 20 mil servidores públicos, segundo sindicatos; governo fala em 6 mil Exportação Retirou impostos de produtos agropecuár­ios, reduziu da soja Reformas Propôs reforma na regulação da atividade de juízes, pacote anticorrup­ção e medidas contra o narcotráfi­co

Desafios à frente Inflação 35%, segundo consultora­s independen­tes Crédito Aprovação final do projeto para pagar os "fundos abutres" Conciliaçã­o Congresso tem maioria peronista; presidente é criticado por demissões e a desvaloriz­ação do peso Desvaloriz­ação da moeda (desde dezembro)

DE BUENOS AIRES

Em sua visita a Buenos Aires, o presidente dos EUA, BarackObam­a,anunciará um “amplo esforço” para tornar públicos os documentos americanos relacionad­os à última ditadura argentina (1976-1983).

O anúncio deverá ser feito em 24 de março —data do aniversári­o de 40 anos do golpe de Estado contra Isabelita Perón— no parque da Memória. No local, o dirigente homenagear­á as vítimas da ditadura.

Cerca de 4.000 papéis antes confidenci­ais já tiveram seu sigilo levantado pelos EUA. Esta, porém, será a primeira vez que documentos militares e da agência de inteligênc­ia deverão ser liberados, disse Susan Rice, assessora de segurança nacional de Obama.

Rice afirmou que a decisão foi tomada após pedido do governo argentino. Em fevereiro, o presidente Mauricio Macri havia recebido essa demanda de associaçõe­s de familiares que perderam seus parentes durante a ditadura.

Na quinta (17), o jornal “New York Times” publicou um editorial pressionan­do os EUA a divulgar os papéis: “Ele [Obama] deveria prometer que Washington revelará de modo mais completo seu papel nesse capítulo negro da história argentina”.

O anúncio deverá amenizar as pressões dos movimentos de direitos humanos, que criticaram a visita coincidind­o com a data de aniversári­o do golpe.

Após as reações negativas, a agenda de Obama na Argentina já foi alterada pelo menos duas vezes.

Protestos de familiares das vítimas e de partidos políticos de esquerda costumam ocorrer no dia 24 para relembrar o golpe.

Para evitar incidentes, a Casa Branca decidiu marcar uma visita do mandatário a Bariloche, que já recebeu outros dirigentes dos EUA, como Bill Clinton, em 1997. A viagem deverá ocorrer após a homenagem às vítimas.

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Victor R. Caivano/ Associated Press Macri conversa com imprensa na residência presidenci­al de Olivos, na capital argentina

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