Folha de S.Paulo

Imunidade e impunidade

- BERNARDO GUIMARÃES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Bernardo Guimarães; sábado: Marcos Sawaya Jank;

INGLATERRA, FIM do século 14. O rei Ricardo 2º, incomodado com as críticas do parlamenta­r Thomas Haxey, trama para que ele seja considerad­o culpado por traição e condenado à morte.

A história tem final feliz. O arcebispo de Canterbury intervém, e a vida de Haxey é salva. Mesmo assim, o Parlamento inglês decide tomar providênci­as para assegurar a liberdade de expressão de seus membros. Nasciam aí as proteções especiais para parlamenta­res e membros do governo.

Desde então, diversos países democrátic­os adotaram provisões legais para proteger políticos eleitos de processos e prisões.

Contudo, aos poucos, esses direitos também foram se estendendo à população. Afinal, o rei não deve ter poder para condenar à morte uma pessoa que o critica, não importa quem seja essa pessoa.

Há então motivos para proteger os políticos das garras da Justiça? Faz sentido a imunidade de parlamenta­res, ministros e chefes de Estado?

A imunidade tem dois efeitos. Por um lado, protege um político de ser perseguido por alguém ainda mais poderoso. Essa proteção pode ser útil, por exemplo, a um parlamenta­r que se opõe ferozmente ao Executivo e teme ser injustamen­te acusado de cometer crimes.

Por outro lado, a imunidade protege o político que cometeu crimes comuns. A imunidade pode se traduzir em impunidade. A proteção pode ser útil, por exemplo, a um par- lamentar que recebe propina.

Além da injustiça, a proteção pode fomentar a corrupção. A possibilid­ade de punição é um desestímul­o ao crime. Ao tornar a punição mais difícil, a imunidade efetivamen­te remove uma barreira à corrupção.

Estamos, no Brasil, acostumado­s com a ideia de imunidade de políticos, como se fosse essa a norma em todo o mundo. Cabe perguntar: co- mo é em outros países?

Trabalho recente de Karthik Reddy, Moritz Schularick e Vasiliki Skreta busca quantifica­r o grau de imunidade conferida a chefes de Estado, ministros e parlamenta­res em 90 países democrátic­os.

Nesse ranking da imunidade, o Brasil aparece em terceiro lugar, empatado com a Argentina. Mais imunidade para políticos que no Brasil, só no Paraguai e no Uruguai. Nos outros 86 países democrátic­os analisados, políticos são menos protegidos.

Em muitos países, políticos não gozam de nenhum privilégio com a Justiça. Na Inglaterra de hoje, por exemplo, ninguém, nem mesmo o primeiro-ministro, tem nenhuma proteção especial se cometer crimes.

O trabalho mostra que a imunidade conferida aos políticos no Brasil é muito maior que na grande maioria dos países. Será que é demais?

Se a proteção conferida a políticos eleitos lhes permite agir sem a preocupaçã­o com acusações fabricadas por outras pessoas com poder e não tem muito impacto na corrupção, a imunidade está cumprindo o seu papel.

Por outro lado, se a imunidade deixa os políticos mais protegidos para cometer crimes de corrupção, temos imunidade demais.

O que você acha?

A imunidade conferida aos políticos no Brasil é muito maior que na grande maioria dos países

BERNARDO GUIMARÃES

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil