Folha de S.Paulo

A sombra do doping

- MARIANA LAJOLO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, terça: Edgard Alves, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sexta: Mariana Lajolo, sábado: Painel FC e Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

UM DOS técnicos mais reverencia­dos nas provas de velocidade e um dos símbolos do maior escândalo de doping do atletismo brasileiro. As duas facetas acompanham Jayme Netto. Mas é graças à primeira que ele quer voltar a ser notícia.

O técnico está livre para trabalhar com atletismo profission­al e tem chances de brigar para estar à frente do revezament­o 4 x 100 m do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio.

Desta vez, o país não terá chances reais de medalha, nem verá na pista talentos como os que ganharam bronze em Atlanta-1996 e prata em Sydney-2000 com ajuda do treinador. Mas, para Jayme, poderá ser o grande símbolo de seu retorno.

O técnico foi banido do esporte em 2009 quando estourou o escândalo da Rede Atletismo, em que corredores da equipe foram flagrados em antidoping. A droga administra­da era EPO (eritropoet­ina, que au- menta os glóbulos vermelhos do sangue). Jayme sabia que a substância era proibida, mas diz ter sido induzido por um fisiologis­ta a aceitar seu uso no tratamento dos atletas, não na melhora de performanc­e —EPO é geralmente usada por quem precisa de muito fôlego, como corredores de longas distâncias e ciclistas. Depois, o treinador admite que perdeu o controle e foi permissivo. Não negou sua falha.

Jayme recorreu do banimento à CAS (Corte Arbitral do Esporte) e conseguiu, em 2012, ter a pena reduzida para quatro anos. Mas sofreu outra punição: foi proibido pelo Conselho Regional de Educação Física de exercer sua função por sete anos, prazo que acaba agora.

O atletismo de velocidade que Jayme deixou em 2009 não evoluiu. Na lista dos melhores tempos nacionais da história, por exemplo, o primeiro nome desta década aparece apenas em 11º lugar —10s17 de Jefferson Lucindo. As marcas dos brasileiro­s também continuam muito aquém das internacio­nais. No ano passado, Vitor Hugo dos Santos, o atleta do país mais bem colocado, foi o 134º do mundo, com 10s22.

Para conseguir disputar uma vaga na comissão técnica da seleção, Jayme precisa ter sob sua batuta alguns dos mais velozes atletas do país. Em 2015, já livre de uma das suspensões, ele deu consultori­a a três convocados para o 4 x 100 m no Mundial. Se passar a orientá-los oficialmen­te e eles continuare­m rápidos, pode sonhar com a ida ao Rio.

A CBAt (Confederaç­ão Brasileira de Atletismo) não vê impediment­o para o retorno, desde que ele se enquadre nas regras de convocação. Segundo o superinten­dente de alto rendimento, Antônio Carlos Gomes, “o que passou passou” e se o treinador estiver liberado pela Justiça e preencher todos os requisitos, terá oportunida­de de voltar à seleção.

A mancha do doping estará para sempre no currículo de Jayme, assim como suas medalhas. Com ele, a equipe nacional poderá ter de lidar com uma constante suspeita, mas também contará com o trabalho de um profission­al vitorioso. Dois lados. Qual deles seguir? Aceitamos que um profission­al que falhou e cumpriu sua pena possa ser diferente ao recomeçar? Não aceitar para evitar polêmicas ou por buscar uma “punição exemplar” é tentador. E seria mais fácil se os velocistas do país tivessem apresentad­o grandes resultados de 2009 pra cá. Mas a verdade é que isso não aconteceu. Enquanto Jayme estava fora, não corremos mais depressa. Agora saberemos se isso pode mudar com seu retorno.

Aceitamos que um profission­al que falhou e cumpriu sua pena possa ser diferente ao recomeçar?

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