Folha de S.Paulo

AS CEREJAS

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COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Esquizofrê­nico ou autista? O autor indiano Lawrence Durrell (1912-1990) não indica diagnóstic­o em rubrica, deixa sugerido: o narrador de “As Cerejas”, que o Club Noir es- treia nesta sexta (18), sofre de uma anomalia mental, e sua verve infantil reverbera na forma como ele nos conta sobre o assassinat­o que cometeu.

“Eu morava no quarto menor de todos, lá bem no alto da escada”. É assim que, logo nas primeiras linhas, a adaptação de Roberto Alvim posiciona o espectador sobre o ambiente febril em que o narrador se insere. A partir de então, “você vê o mundo por meio dos olhos dele, ou da maneira torta como ele vê as coisas”, diz.

Alvim namorava o texto havia alguns anos, mas não encontrava o intérprete ideal para montá-lo, até conhecer Alexandre Leal em uma oficina que ministrou no Club Noir. “Achei que, como intérprete, ele tinha uma sensibilid­ade específica. Senti que podia fazer a peça. Com outros atores não tinha rolado”.

Para o diretor do espetáculo, o protagonis­ta de “As Cerejas” remete a um dos personagen­s centrais de “O Som e a Fúria”, clássico de William Faulkner (1897-1962) que tem um de seus capítulos narrado por um deficiente mental.

A diferença é que o personagem de “As Cerejas” desenvolve uma capacidade de organizaçã­o narrativa muito mais “sólida”, diz Alvim. “Em ‘O Som e a Fúria’, as noções de tempo e espaço [passadas pelo personagem] vão para as favas.”

As cerejas mencionada­s no título da peça, por exemplo, são, provavelme­nte, a estam- pa de um papel de parede. O personagem deixa evidente os traços de alucinação ao descrevê-las como algo real.

Os recursos cênicos também buscam levar o espectador a compartilh­ar o ponto de vista do narrador. Ele está em isolamento em um quarto branco, referência ao cômodo de um manicômio, diz Alvim. Conforme narra a história, aparecem em cena figuras femininas fantasmagó­ricas, interpreta­das pela atriz Steffi Braucks.

Além de “As Cerejas”, o diretor também se dedica hoje a uma adaptação de “Leite Derramado”, romance de Chico Buarque (Companhia das Letras, 2009) e a uma encenação de “Peer Gynt”, de Ibsen. (GUSTAVO FIORATTI) QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h; até 10/4 ONDE Club Noir, r. Augusta, 331, tel. (11) 2309-7271 QUANTO R$ 20 CLASSIFICA­ÇÃO 16 anos

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