Folha de S.Paulo

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Em meio à crise, a Justiça deve dar o exemplo, mas o juiz Sergio Moro se deixou levar por um cálculo político incompatív­el com o cargo

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Leia “Protagonis­mo perigoso”, acerca de ações do juiz Sergio Moro, e “Estratagem­a russo”, a respeito de decisão de retirar parte das forças na Síria.

Em momentos de crispação nas ruas como estes que o Brasil conhece, nada mais importante que dispor de instituiçõ­es sólidas e equilibrad­as, capazes de moderar o natural ímpeto das manifestaç­ões e oferecer respostas seguras dentro de um quadro de legalidade.

Preocupam, por isso, os sinais de excesso que nos últimos dias partem do Judiciário, precisamen­te o Poder do qual se esperam as atitudes mais serenas e ponderadas.

Não se trata de relativiza­r o peso das notícias acerca da Operação Lava Jato, ou de minimizar o efeito político e jurídico das gravações telefônica­s divulgadas nesta semana.

O imperioso combate à corrupção, entretanto, não pode avançar à revelia das garantias individuai­s e das leis em vigor no país. Tal lembrança deveria ser desnecessá­ria num Estado democrátic­o de Direito, mas ela se torna relevante diante de recentes atitudes do juiz federal Sergio Moro, em geral cioso de seus deveres e limites.

Talvez contaminad­o pela popularida­de adquirida entre os que protestam contra o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), Moro despiu-se da toga e fez o povo brasileiro saber que se sentia “tocado pelo apoio às investigaç­ões”.

Ocorre que as investigaç­ões não são conduzidas pelo magistrado. A este compete julgar os fatos que lhe forem apresentad­os, manifestan­do-se nos autos com a imparciali­dade que o cargo exige.

Demonstran­do temerária incursão pelo cálculo político, resolveu assumir de vez o protagonis­mo na crise ao levantar o sigilo de conversas telefônica­s de Lula (PT) bem no momento em que o ex-presidente se preparava para assumir a Casa Civil.

Por repulsiva que seja a estratégia petista de esconder o ex-presidente na Esplanada, não cabe a um magistrado ignorar ritos legais a fim de interrompe­r o que sem dúvida representa um mal maior. Pois foi o que fez Moro ao franquear a todos o acesso às intercepta­ções e transcriçõ­es que, como regra, devem ser preservada­s sob sigilo.

Ao justificar a decisão, Moro argumenta de maneira contraditó­ria. Sustenta que o caso, por envolver autoridade­s com foro privilegia­do, deve ser remetido ao Supremo Tribunal Federal, mas tira da corte a possibilid­ade de deliberar sobre o sigilo das intercepta­ções.

Pior, a lei que regula o tema é clara: “A gravação que não interessar à prova será inutilizad­a”. Quem ouviu as conversas de Lula pôde perceber que muitas delas eram absolutame­nte irrelevant­es para qualquer acusação criminal. Por que, então, foram divulgadas?

Ademais, a conversa entre Lula e Dilma ocorreu depois que o próprio Moro havia mandado ser interrompi­da a escuta. Acerca disso o juiz a princípio não se pronuncia.

É sem dúvida importante que a população saiba o que se passa nas sombras do poder. Daí não decorre, obviamente, que os juízes possam dar de ombros para as leis. Mais do que nunca, o exemplo deve partir do Poder Judiciário —sua eventual desmoraliz­ação é o pior que pode acontecer.

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