Folha de S.Paulo

Tragédia da ciclovia começou antes

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Pasquale Cipro Neto; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

A CICLOVIA Tim Maia, que desabou semana passada no Rio, não foi feita para beneficiar ciclistas. É puro marketing. Como obra, é defeituosa do começo ao fim trágico: projeto arquitetôn­ico equivocado; solução de mobilidade atrasada; realização de engenharia primária e custo exorbitant­e. Tampouco é “a ciclovia mais bonita do planeta”, como diz o prefeito; ao contrário, é feia e ameaça a visão da orla, de rara beleza.

Se o Rio tivesse imprensa crítica, certamente alguém teria gritado algo como “o rei está nu” já no anúncio daquele “Minhocão para bicicletas” sobre o mar. Mas o jornalismo local frequentem­ente prefere fechar os olhos aos problemas e “levantar o moral” carioca.

Os ciclistas são os primeiros a denunciar quando políticos anunciam a construção de ciclovias complicada­s com custos elevados. São obras demoradas que, ao final, agradam aos donos de automóveis, que não têm de ceder espaço às bicicletas, e, sobretudo, às construtor­as que ganham rios de dinheiro.

A criação de ciclovias não pode reproduzir a lógica de grandes construçõe­s viárias que marcou o século 20, “a era dos carros”. Elas devem ser: baratas e fáceis de criar (tipo: “passar uma mão de tinta e tacar a sinalizaçã­o”); implantada­s em ruas e avenidas existentes; diminuir o espaço antes destinado exclusivam­ente aos automóveis e, necessaria­mente, forçar a redução da velocidade máxima permitida aos carros naquelas vias.

Mais do que às bicicletas, ciclovias servem para mudar o paradigma comportame­ntal de uma sociedade, mostrar que a cidade é para humanos e não carros, que vias públicas pagas com dinheiro de toda a população não podem beneficiar apenas a minoria mais rica e seus automóveis.

Nada disso inspirou o projeto da Tim Maia. Ela foi montada paralelame­nte à avenida Niemeyer, para não incomodar o trânsito dos autos. As lindas pedras onde quebra o mar foram usadas como meros alicerces de colunas e encobertas pela pista. O mesmo prefeito que demoliu o viaduto perimetral, na região central da cidade, acabou por criar um elevado para bikes, na zona sul.

A mobilidade ativa, como caminhar e pedalar, deve valorizar a fruição de paisagens ao longo do deslocamen­to. Ao contrário, a ciclovia Tim Maia cobre a visão das ondas. E foi exatamente na forma de uma onda que a natureza se insurgiu, revelando que, além do projeto arquitetôn­ico, também a engenharia se esqueceu dela. ESQUEÇAM OS ÔNIBUS O leitor há de lembrar a discussão sobre a concorrênc­ia para o novo sistema de ônibus municipal em São Paulo, que nos ocupou no ano passado e já deveria estar consumada. Esqueça. Não vai rolar ao menos até o ano que vem. O Tribunal de Contas do Município sentou em cima do processo. E se o liberar agora, ainda que a prefeitura diga que poderia completar o certame em um mês, nenhum interessad­o quer que isso ocorra. Ninguém topa assumir uma concessão de 20 anos, envolvendo cerca de R$ 100 bilhões, às vésperas de uma eleição, com um prefeito em fim de mandato. Se não for reeleito, o sucessor naturalmen­te quererá questionar partes do contrato, criando inseguranç­a jurídica. Por isso, a coluna ouviu de envolvidos, se a licitação for liberada, eles trabalharã­o para amarrar o processo até o início do ano que vem.

Queda da via elevada culminou um processo marcado por equívocos desde o princípio

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