Folha de S.Paulo

Burocracia trava as pesquisas com empresas no Brasil ses formandos anualmente?

PARA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGIC­AS, EM SP, FALTA AGILIDADE PARA FINANCIAR PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

- REINALDO JOSÉ LOPES COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Sem maneiras mais criativas e flexíveis de levantar recursos e interagir coma iniciativa privada, a pesquisa brasileira continuará penando para transforma­r boas ideias científica­s em produtos inovadores e lucrativos, diz o engenheiro metalúrgic­o Fernando José Gomes Landgraf, atual diretor-presidente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológic­as), em São Paulo.

Landgraf comanda o instituto (ligado à Secretaria Estadual de Desenvolvi­mento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação) desde 2012. Embora negue que seja necessário escolher entre pesquisa básica e aplicada —ou seja, entre a ciência que tenta entender como as coisas funcionam e a que busca aplicações diretas—, ele enxerga mais limitações para fazer o segundo tipo no Brasil.

Para o engenheiro, a falta de agilidade para financiar parcerias público-privadas na área é um dos fatores que limitam o desempenho brasileiro. Ele reconhece a importânci­a do financiame­nto público para que tecnologia­s realmente inovadoras surjam, mas aponta também a necessidad­e de que as pesquisas, em alguma medida, se autofinanc­iem —a exemplo do IPT, cuja receita atual é, em sua maioria, provenient­e de serviços prestados a empresas. Folha - O governador Geraldo Alckmin irritou a comunidade científica ao criticar as pesquisas financiada­s pela Fapesp, afirmando que muitas delas não têm utilidade prática. Como o sr. vê esse dilema entre investimen­tos na ciência básica e os voltados para a pesquisa aplicada? Landgraf - É claro que ambas são importante­s. Não há como um país ter avanços na pesquisa aplicada sem boa pesquisa básica. Também é verdade que a Fapesp [agência de fomento do Estado de São Paulo] tem tentado estimular a interação entre instituiçõ­es de pesquisa públicas e as empresas, há algumas iniciativa­s nesse sentido.

Mas, de maneira geral, a interação com o setor privado e a pesquisa que gera produtos inovadores ainda são modestas, em parte também porque as próprias empresas não buscam essa interação com a intensidad­e necessária.

Então isso não significar­ia que as empresas é que precisam criar uma cultura mais ousada sobre esse tema?

O problema é que a maneira como o financiame­nto dos projetos conjuntos funciona normalment­e não favorece isso. Seria interessan­te achar um modo de trabalhar que facilitass­e essas parcerias, coisa que instituiçõ­es como a Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, organizaçã­o social ligada ao governo federal] já vêm estimuland­o ao fazer as coisas de um modo diferente.

O que há de diferente na maneira como a Embrapii atua?

O principal ponto é a velocidade e flexibilid­ade com que as propostas para o financiame­nto de projetos são analisadas. Há uma espécie de benefício da dúvida dado pelas entidades financiado­ras à parceria entre a instituiçã­o de pesquisa e a empresa, de maneira que todo o processo de análise do mérito daquela proposta é mais rápido —existe um monitorame­nto constante e rigoroso durante a execução dos recursos, mas não tantos entraves antes.

Outra questão que temos de considerar com cuidado é a maneira como essas parcerias começam. As situações em que os institutos de pesquisa brasileiro­s procuram uma empresa já com um produto pronto, ou mesmo com um plano claro para chegar a esse produto, são raríssimas. Normalment­e o que acontece é o contrário: a empresa procura a instituiçã­o de pesquisa com um problema específico, eé a partir daí que soluções às vezes são desenvolvi­das e se transforma­m em produtos.

A impressão é que, desde os anos 1990, tem havido um esforço constante para estimular os pesquisado­res brasileiro­s a se transforma­rem em empreended­ores, mas esse modelo parece ter fracassado. O sr. concorda?

Eu não acho que esse modelo tenha fracassado. A questão é que, naturalmen­te, são raras as pessoas com vocação para o empreended­orismo. Vejo isso ao dar aulas na Escola Politécnic­a da USP —poucos dos meus alunos querem virar empresário­s.

Claro que o ambiente brasileiro de fato não é muito favorável a isso, mas o problema está longe de ser só nosso. A Universida­de Harvard e o MIT [Instituto de Tecnologia de Massachuse­tts], que ficam do lado um do outro nos EUA, devem formar milhares de alunos todos os anos, num dos locais com o maior índice de inovação tecnológic­a do mundo. Você sabe quantas empresas são criadas por es-

Vou chutar: em torno de 30?

Chutou bem, é mais ou menos isso mesmo —de dez a 30. Além disso, não se pode esquecer o papel crucial das instituiçõ­es públicas e do incentivo governamen­tal para a inovação, porque eles fazem o investimen­to de longo prazo para que as ideias realmente inovadoras vinguem.

Mas é claro que é possível pensar em maneiras de obter financiame­nto para pesquisa sem depender só do Estado. Aqui no IPT, por exemplo, 35% da dotação orçamentár­ia vem do governo paulista, enquanto os outros 65% derivam da venda de serviços para empresas.

Existem críticas ao fato de que a Fapesp possui um patrimônio financeiro próprio, que lhe permite maior estabilida­de e autonomia em seus investimen­tos de pesquisa, mesmo quando a arrecadaçã­o cai. Esse modelo deve ser mantido, na sua opinião?

Não acho que seja necessário alterar esse modelo. Mas é importante discutir qual a proporção dos recursos que vai para pesquisa básica e pesquisa aplicada.

“Não se pode esquecer do papel crucial das instituiçõ­es públicas e do incentivo governamen­tal para a inovação. Mas é possível pensar em obter financiame­nto para pesquisa sem depender só do Estado

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O diretorpre­sidente do IPT, Fernando José Gomes Landgraf

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