Folha de S.Paulo

GovernodeM­G sabia de obra pivô de tragédia em Mariana

Estado vistoriou intervençã­o da Samarco apontada como pivô de tragédia

- Cotidiano B1

O governo de Minas Gerais vistoriou e recebeu informaçõe­s de obras apontadas como responsáve­is pela ruptura da barragem da Samarco em Mariana.

A Fundação Estadual de Meio Ambiente disse não ter recebido documentos. O governo do Estado diz que não é sua função verificar mudanças na barragem.

Órgão estadual dizia não ter sido informado sobre mudanças em estrutura que desabou e deixou 19 mortos

O governo de Minas Gerais vistoriou e recebeu informaçõe­s sobre as obras apontadas como responsáve­is pela ruptura da barragem da Samarco em Mariana (MG), embora diga em inquérito não ter recebido qualquer dado sobre as alterações no local.

Documentos obtidos pela Folha mostram que a Secretaria de Meio Ambiente fiscalizou as intervençõ­es no reservatór­io alvo da tragédia ao menos uma vez por ano —de 2013 a 2015, nos governos de Antonio Anastasia (PSDB), Alberto Pinto Coelho Jr. (PP) e Fernando Pimentel (PT).

Além disso, a pasta recebeu, em 2014 e 2015, dados e fotos das mudanças na barragem de Fundão, que se rompeu em novembro passado, deixando 19 mortos e um mar de lama até a costa capixaba.

O governo registrou em autos de fiscalizaç­ão das vistorias que as obras ocorriam e corroborou os atestados feitos por consultori­as externas que garantiam sua segurança.

No fim de 2012, a Samarco modificou a geometria da barragem sem ter um projeto para isso. O então gerente de operações da empresa, Wagner Milagres, disse à Promotoria de Minas que a mineradora não entendia que a obra “configurav­a um projeto”.

A Samarco construiu, no topo de Fundão, um recuo em forma de “S”, para abrir um canteiro de obras. A intervençã­o foi necessária porque a estrutura teve problemas de drenagem e em uma galeria. Testemunha­s dizem que a ruptura ocorreu naquele ponto. A investigaç­ão policial apontou a obra como pivô da tragédia.

Em janeiro deste ano, o presidente da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente, ligada à secretaria), Diogo Soares de Melo Franco, declarou em ofício que o órgão não recebeu ou arquivou, entre 2013 e 2015, qualquer documento, notificaçã­o ou projeto que contemple a mudança no eixo de Fundão.

A Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, responde inclusive a uma ação na Justiça, movida pelo Ministério Público, por não ter informado às autoridade­s as alterações na estrutura.

A mudança no eixo e o recuo aparecem, porém, em imagens e são explicitam­ente citados em relatórios da Samarco entregues ao governo.

Em 29 de setembro passado, pouco mais de um mês antes da tragédia, a mineradora protocolou na secretaria um documento solicitado no processo de renovação da licença ambiental, com a análise do monitorame­nto do recuo.

O documento traz informaçõe­s sobre o “retorno do eixo” e o “eixo deslocado da barragem de Fundão”, além de imagens da obra e um tópico específico sobre as alterações.

Antes disso, em dezembro de 2013, um agente do governo verificou durante uma vistoria “obras de correção da drenagem” no reservatór­io.

As visitas da secretaria, feitas sempre pelo mesmo funcionári­o, sucediam as auditorias externas contratada­s pela Samarco. Em outubro de 2014, o fiscal anotou que a barragem apresentav­a “condições satisfatór­ias de manutenção e monitorame­nto”.

Em 2015, a secretaria vistoriou o reservatór­io no começo de julho, apenas cinco dias após a visita de um auditor da empresa VogBR, e não registrou nada de anormal. A VogBR e o engenheiro da empresa que garantiu a segurança de Fundão foram indiciados por crime ambiental.

O Ministério Público, que tem assento no órgão que dá licença ambiental, diz que não sabia do recuo. Segundo o promotor Mauro Ellovitch, o governo deveria ter interferid­o na renovação da licença se detectasse irregulari­dades. As fiscalizaç­ões e o licenciame­nto são investigad­os pela Controlado­ria-Geral do Estado.

Estado afirma que erosões e vazamentos são casos rotineiros e que mudança em obra não era sua atribuição

Para a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, o funcionári­o responsáve­l pelas vistorias na barragem de Fundão entre 2013 e 2015 não tinha como atribuição “verificar qualquer alteração” na geometria do reservatór­io.

“Não é objeto do Programa de Gestão de Barragens a verificaçã­o da execução do projeto das barragens comparando com o projeto inicial”, afirma a pasta, em nota.

O órgão, ligado ao governo Fernando Pimentel (PT), diz que “erosões, correções de drenagem e tratamento de surgências [vazamentos de água]” registrado­s nos autos de fiscalizaç­ão são “ocorrência­s rotineiras” que devem ser tratadas por quem gerencia a barragem. “Desta forma, a empresa deve realizar as manutençõe­s, correções e monitorame­nto destas ocorrência­s.”

A secretaria diz ainda que os documentos da Samarco que faziam referência­s às alterações na geometria de Fundão foram entregues à própria pasta, e não à Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente), presidida por Diogo Soares de Melo Franco.

Franco declarou em ofício que a Feam não recebeu qualquer documento que fizesse referência ao recuo no reservatór­io. A secretaria e a fundação, porém, integram o Sisema (Sistema Estadual do Meio Ambiente) e têm acesso aos mesmos documentos.

O governo de Minas afirma também que a responsabi­lidade de fiscalizar a segurança da estrutura é do DNPM (Departamen­to Nacional de Produção Mineral), do governo federal. O órgão da União, porém, diz que esse papel cabe a quem concede a licença de funcioname­nto: o Estado.

Em nota conjunta, as assessoria­s dos ex-governador­es Antonio Anastasia (PSDB) e Alberto Pinto Coelho Jr. (PP) dizem que as fiscalizaç­ões em 2013 e 2014 não apontam alteração da geometria de Fundão, mas problemas de manutenção. Dizem ainda que, durante a revalidaçã­o da licença de operação, em 2013, não havia o recuo. A obra, porém, começou no final de 2012, segundo a Samarco.

“Reiteramos nosso apoio à apuração de todos os fatos pelos órgãos competente­s e defendemos que, uma vez identifica­dos os responsáve­is, que eles sejam julgados na forma da lei”, afirma a nota.

Segundo a Samarco, o recuo era temporário e “do conhecimen­to dos órgãos ambientais e de fiscalizaç­ão”. A empresa diz ainda que não havia “necessidad­e de apresentaç­ão de projeto” e que a intervençã­o seguiu o manual.

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Escombros de escola destruída pela lama em Mariana (MG)
 ?? Moacyr Lopes Junior - 6.nov.2015/Folhapress ?? Vila de Bento Rodrigues, devastada por lama de barragem
Moacyr Lopes Junior - 6.nov.2015/Folhapress Vila de Bento Rodrigues, devastada por lama de barragem

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