Folha de S.Paulo

A violência que cerca nossas vidas

- MIRIAN GOLDENBERG MIRIAN GOLDENBERG é antropólog­a, professora titular da Universida­de Federal do Rio de Janeiro e autora de “A Bela Velhice” (Ed. Record)

OS BRASILEIRO­S estão sofrendo com a extrema violência no país, como um músico de 47 anos:

“Eu também morro um pouco junto com todos que estão sendo assassinad­os, roubados, estuprados. Perdi a esperança de que o Brasil renasça das cinzas e podridão. Costumava acompanhar obsessivam­ente todas as notícias dos jornais e televisão. Agora, não aguento mais ouvir casos e mais casos de violência e de corrupção. Parece uma novela velha e intermináv­el, que repete os mesmos capítulos todos os dias. Nenhum filme vai conseguir reproduzir o drama que estamos vivendo”.

A violência acabou afetando o seu trabalho.

“Sinto uma angústia enorme, uma impotência, uma espécie de ressaca física e emocional. Estou exausto, desanimado e deprimido. Estou me sentindo inútil, nada do que faço tem importânci­a e significad­o com tanta miséria e violência. Não estou conseguind­o produzir nada, parece até que estou paralisado, esperando o país mudar para retomar os meus projetos. Só canto aquela música: ‘Não, não posso parar, se eu paro eu penso. Se eu penso, eu choro”.

Uma professora de 53 anos disse que nunca se sentiu tão insegura e vulnerável.

“As pessoas estão muito mais agressivas. São violências diárias, cotidianas, sem qualquer motivo. Um vendedor que me trata mal, um aluno que me ignora, um colega que me desrespeit­a, motoristas que me cortam e me xingam, um ex-marido que só me critica e desvaloriz­a. A falta de reconhecim­ento também é uma violência. Preciso me controlar para não chorar nestes momentos. O clima de violência, roubalheir­a e desrespeit­o é tamanho que afetou todo mundo. Todos que conheço estão muito irritados, intolerant­es e violentos. Está muito difícil sobreviver no meio de tanta violência”.

Ela tomou a decisão de remar contra a maré. De tanto levar “porradas”, decidiu reagir de uma forma diferente. Em vez de responder com a mesma agressivid­ade, tenta ser cada vez mais atenciosa, carinhosa e delicada. Quanto mais violenta é a pessoa, mais educada ela é. Resolveu que não vai se contaminar com este clima de ódio.

Se violência gera violência, é possível que gentileza gere gentileza. Será que agindo assim vamos conseguir desarmar a energia negativa e a agressivid­ade dos que nos cercam?

A gentileza gera gentileza e pode ser a única maneira de combater a energia negativa e a agressivid­ade

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