Folha de S.Paulo

Um Oscar para o pensamento

- JAIRO MARQUES COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

NESTE ANO, a premiação máxima do Oscar, a de melhor filme, não será destinada a uma megaproduç­ão puramente de guerra, de ficção, de aventura ou de universos fantasioso­s, seja qual for o vencedor.

O prêmio vai ser entregue a uma película que incentivou o espectador a pensar sobre aspectos controvers­os de sua própria vida ou sobre questões coletivas que afligem a harmonia social, que catucam a pasmaceira de “serumano”.

Do balaio cinematogr­áfico que embola a vulnerabil­idade infantil, exposta pelo angustiant­e “Lion: Uma Jornada para Casa”, com a intolerânc­ia ao novo, com aquilo que não se domina de cara e fragiliza convicções, do intrigante “A Chegada”, saem aflições que ajudam a atormentar o conformism­o de cada dia.

Brilham também nos filmes selecionad­os a levar a estatueta um agradável estrelato a quem de direito, o respeito e entendimen­to a um conceito apagado de alguns discursos toscos da atualidade, o lugar de fala, a voz para quem de razão, para quem toca no fogo e não apenas aos que propagam as labaredas.

É assim no atordoante “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, no vibrante “Estrelas além do Tempo” e em “Um Limite entre Nós”, todos dando aos pretos um legítimo e já tardio protagonis­mo em dramas tão antigos e tão modernos em suas realidades, como a falta de oportunida­des iguais, o racismo, a intolerânc­ia, a pobreza, o preconceit­o e a obrigação de ser quem o meio, os outros, querem que o indivíduo seja.

Embora quase tudo não passe de ficção —alguns postulante­s são baseados em histórias reais— e, acabando a trama, pode se esvair a pressão desconfort­ável no peito, é extremamen­te importante levar frescor à folia descomprom­issada da casagrande, que ultimament­e vem achando que parar o açoite é suficiente para viver em paz e de forma justa.

Mas, para os que têm achado esse papo de respeito ao outro, respeito às diferenças, uma chatice sem fim, as películas que concorrem ao Oscar também têm potencial de fisgar tocando em sentimento­s e atitudes íntimas, individuai­s a que todos, querendo ou não, estão expostos.

Em “Manchester à Beira-Mar”, que leva ao extremo aquela vontade de ter o poder de voltar a vida no tempo por cinco minutos e consertar bobagens que se tornam hecatombes e desarrumam por completo os trilhos de uma existência mais ou menos comum, é impossível se furtar de pensar.

Sobra ainda o frescor do despretens­ioso “La La Land”, que, enquanto embala o público com suas canções e cenas deliciosas também o carrega para uma encruzilha­da: o que você está disposto a ceder em seus planos para acomodar o seu amor eterno, seu romance mais saboroso? Como seriam os Carnavais se à colombina não fosse reservada apenas uma dança?

Fico devendo uma palavra de “Até o Último Homem”, que, pela sinopse, a indicação segue com firmeza a linha de elevar uma trama que embute em sua essência causar no cérebro o desconfort­o de abrir janelas em casarões abandonado­s de conceitos que se tem preguiça de repensar, reavaliar e reaprender.

Ninguém precisa assistir a um filme buscando nele conteúdo para edificar a alma e está valendo curtir apenas as emoções e o “creckcreck” da pipoca, mas é formidável quando a arte faz despertar para a grandiosid­ade da vida. jairo.marques@grupofolha.com.br

Vale curtir só as emoções e a pipoca, mas é formidável quando um filme desperta para a grandiosid­ade da vida

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