Folha de S.Paulo

Quando o Rio se assumiu negro

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RIO DE JANEIRO - Há quatro décadas, a zona sul do Rio descobriu que havia dezenas de milhares de negros suburbanos unidos num movimento que começou musical, mas rapidament­e se tornou estético, cultural e político: o Black Rio.

Inspirados pela postura autoafirma­tiva e combativa dos blacks norte-americanos, os jovens negros cariocas assumiram suas raízes, declararam seu orgulho da cor e de sua beleza e foram para as pistas ouvir e dançar soul, com suas cabeleiras e suas roupas coloridas.

A história está contada no livro “1976 - Movimento Black Rio”, de Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Octávio Sebadelhe, lançado no fim do ano passado. É curioso ler a obra à luz da atual discussão sobre “apropriaçã­o cultural” e notar que esse tipo de polêmica vem de décadas atrás, e ainda não se resolveu.

Como mostram os autores, o movimento Black Rio não só acabou abraçado pela elite branca e pelas corporaçõe­s interessad­as em faturar com ele, mas apanhou politicame­nte.

A direita conservado­ra o via como “um modelo de importação de extremismo afro-americano” —a ditadura militar chegou a perseguir ícones como o cantor Tony Tornado. A esquerda, por outro lado, o considerav­a apenas um veículo de colonizaçã­o do imperialis­mo yankee.

Criou-se inclusive um estéril antagonism­o do tipo “negro raiz” (o sambista) versus “negro Nutella” (o do Black Rio). Sobre isso, há uma frase definitiva do francês André Midani, executivo de gravadora radicado no Brasil e profundo conhecedor da música brasileira:

“Quando o pobre do negro brasileiro tem a felicidade de sair da favela para fazer outra coisa que não samba, depara-se com uma imprensa branca que o acusa de estar perdendo sua negritude (...). Isso equivale a dizer: fica na tua favela, vive na tua favela e morre na tua favela.” marco.canonico@grupofolha.com.br

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