Folha de S.Paulo

Brasileiro­s nos EUA temem deportaçõe­s

Busca por informaçõe­s com advogados aumenta após governo Trump anunciar política mais rígida contra ilegais

- ISABEL FLECK

Alguns já se preparam para eventual expulsão, vendendo bens; agora, até cometer infração de trânsito pode ser risco

Na noite desta quarta (22), imigrantes brasileiro­s preocupado­s com as novas regras do governo de Donald Trump para deportação nos EUA se reuniram no Brazilian American Center, em Framingham, Massachuse­tts, para tirar dúvidas com uma advogada.

Entre as perguntas mais frequentes, estava o que pode acontecer com os filhos em caso de deportação dos pais.

Eles também queriam saber se podem não comparecer ao tribunal em caso de infrações no trânsito e se podem ser detidos e deportados sem terem cometido outro delito que não seja estarem sem documentaç­ão no país.

O medo dos agentes de imigração, que já havia se espalhado após a posse de Trump, ganhou impulso depois de ter sido ampliado o universo de quem é “prioridade” para a deportação e de quem pode ser alvo de uma deportação acelerada —sem passar por todos os trâmites legais.

A palestra, organizada pelo consulado em Boston, em cuja área de atuação vivem 350 mil brasileiro­s, é parte do esforço que advogados, organizaçõ­es e diplomatas têm feito para tentar acalmar imigrantes em situação ilegal e esclarecer o que de fato é verdade em meio a boatos sobre deportação em massa.

Menos de uma hora depois de publicado, o vídeo da palestra tinha mais de 10 mil visualizaç­ões.“O povo realmente está com medo. Na campanha [do Trump], o imigrante foi muitas vezes colocado como culpado de muitos problemas na sociedade americana. Mas eu ainda não posso dizer que as coisas começaram a piorar de vez”, disse à Folha o advogado bra- sileiro e ex-imigrante ilegal Antonio Massa Viana.

Viana lembra que também houve alto número de prisões e deportaçõe­s no governo do democrata Barack Obama — em 2011, segundo o “New York Times”, a média foi de 771 prisões de imigrantes por semana, enquanto sob Trump houve 680 em uma semana.

“Tem que tranquiliz­ar. Ninguém sabe exatamente o que será implementa­do”, diz o advogado, para quem as agências de imigração americanas continuarã­o tendo prioridade­s, já que não têm pessoal para ir atrás de 11 milhões de ilegais no país.

Obama havia estabeleci­do uma escala de prioridade­s para deportação, com a mais alta para imigrantes ilegais que tinham sido condenados por crimes graves, como homicídio e estupro.

Com as novas regras, oficialmen­te não há mais graduação, e mesmo pessoas que ainda estão sendo processada­s por qualquer crime são considerad­as prioridade.

Nesse campo entra, por exemplo, quem cruzou um sinal vermelho, cometeu fraude —como usar um número falso do registro de Seguridade Social para trabalhar— ou mentiu para usar algum programa do governo.

“Acho que a prioridade não vai ser pessoas que estão usando um número social falso pra trabalhar, mas quem tem um problema criminal ou uma ordem de deportação”, diz Viana.

Só no Brazilian American Center, os atendiment­os mais do que triplicara­m diariament­e. Na terça (21), 52 brasileiro­s foram pessoalmen­te ao centro para tirar dúvidas.

“As pessoas estão muito apavoradas e correm para regulariza­r a documentaç­ão brasileira que não está em dia”, diz Liliane Costa, diretora-executiva da instituiçã­o.

Muitos estão com o passaporte vencido ou não fizeram o documento dos filhos nascidos nos EUA —o que aumenta a inseguranç­a sobre o destino dos filhos caso haja deportação dos pais.

Costa tenta tranquiliz­ar os pais dizendo que dificilmen­te os dois seriam deportados juntos. Mesmo assim, recentemen­te ela fez uma autorizaçã­o de viagem para que um tio pudesse levar uma criança para o Brasil caso os pais fossem expulsos do país.

Segundo o padre Volmar Scaravelli, da igreja de são Tarcísio, em Framingham, muitos imigrantes brasileiro­s também tem começado a preparar um “plano B” e pensam em se desfazer de bens, como carros, antes de uma possível deportação.

“O povo está esperando a todo momento o que vai acontecer”, diz Scaravelli, que percebe a cautela adotada pelos imigrantes inclusive no trânsito. “O que temos visto agora é que os imigrantes estão se cuidando 100%.”

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