Folha de S.Paulo

Lula e Correa, tudo a ver

- CLÓVIS ROSSI

O RESULTADO da eleição equatorian­a de domingo (19) é uma importante demonstraç­ão de que são prematuros os necrológio­s do populismo que têm sido publicados com certa frequência.

É verdade que Lenín Moreno, o candidato do presidente Rafael Correa, não conseguiu vencer no primeiro turno. E é razoável supor que se volte contra ele, no segundo turno, a maioria dos eleitores dos dois seguintes colocados, o banqueiro Guillermo Lasso e a conservado­ra Cynthia Viteri. Mas a soma dos dois não chegou a 45%, muito pouco acima dos 39% de Moreno, o que significa que o resultado final está completame­nte aberto. Antes da votação, quando as pesquisas davam a Moreno só um terço dos votos, tinha-se como certa sua derrota final.

Claro que o populismo perdeu votos. Correa elegeu-se com maioria absoluta nas duas eleições anteriores (2009 e 2013). Agora, seu candidato é obrigado a disputar um segundo turno, com um tiquinho menos do que 40%.

Mas é um resultado muito bom, dadas as circunstân­cias: primeiro, a eleição se deu com a economia na primeira recessão dos anos de “correísmo” (queda de 1,7% em 2016). Recessão geralmente leva os votantes a castigar o governo de turno.

Segundo, Moreno nem remotament­e tem o carisma de Correa, o que é, aliás, fenômeno recorrente no populismo e em seu primo-irmão, o caudilhism­o: o caudilho raramente permite que à sua sombra cresça uma figura com potencial de liderança comparável ou ao menos próxima.

O vigor remanescen­te do populismo é, no entanto, fácil de explicar: a parte marginaliz­ada da população —maioria absoluta nos países da América Latina— sentiu-se representa­da e defendida por líderes como Correa. A redução da pobreza foi notável em todos os países em que os populistas ganharam o poder. Pena que a desigualda­de, a grande chaga aberta na pele latino-americano, não tenha sido igualmente reduzida substancia­lmente.

Não houve, a rigor, mudanças estruturai­s que permitisse­m a inclusão definitiva dos setores marginaliz­ados. Tanto que, ao mudar o ciclo econômico, como mudou, por exemplo, no Brasil, volta a aumentar a pobreza. Fica, no entanto, a memória dos tempos de bonança, de que dá prova o fato de que Luiz Inácio Lula da Silva lidera as pesquisas mais recentes e ganha até nas simulações de segundo turno.

Um segundo fator a explicar a força do populismo é a incapacida­de de a oposição, primeiro, unir-se e, depois, escolher um candidato com apelo para as grandes massas.

O Equador é um exemplo claro: apresentar­am-se sete candidatos ditos de oposição. Somados, tiveram praticamen­te 60% dos votos, mas suas agendas em muitos pontos conflitant­es podem fazer com que parte de seus eleitores, no turno final, se volte para Moreno.

É significat­ivo, aliás, que, nas eleições para o Legislativ­o, a Aliança País, que Correa inventou, obteve de novo a maioria absoluta dos votos.

No Brasil, o cenário (Legislativ­o à parte) é bem parecido: quem é o presumível adversário de Lula capaz de empolgar de fato o eleitorado? Até agora, ninguém.

O resultado no Equador é uma nítida demonstraç­ão de que é muito cedo para dar por morto o velho populismo

crossi@uol.com.br

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