Folha de S.Paulo

MANUAL PARA HUMANOS

Brandon Stanton, criador do Humans of New York, projeto no qual narra histórias de anônimos, vem ao Brasil para contar a vida dos paulistano­s

- DAIGO OLIVA Pai e filho registrado­s no pq. do Ibirapuera, em São Paulo

Numa das laterais do parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, um flanelinha conversa com um branquelo alto, loiro, com pinta de gringo. O papo começa cheio de generalida­des sobre política, do “desemprego que mata o Brasil” aos “corruptos que roubam o povo”.

Seis perguntas depois, porém, o mesmo homem que dava respostas evasivas já está contando sobre o crime que o levou à cadeia, o período encarcerad­o e os filhos que cria junto à segunda mulher.

Era a oitava entrevista que Brandon Stanton, 32, fazia naquele dia. Na América do Sul pela primeira vez, o criador do Humans of New York, projeto no qual compartilh­a retratos e histórias de anônimos, divertia-se com demonstraç­ões de carinho dos casais que passeavam pelo parque.

“Incrível como aqui há idosos que se casam várias vezes e desfilam esse amor publicamen­te. Falei com senhores que estão no terceiro casamento. Isso é muito bonito.”

Stanton é obcecado por histórias de desconheci­dos. Em 2010, aos 26 anos, foi demitido de seu emprego no mercado financeiro e decidiu fazer o projeto que tinha em mente.

Mudou-se para Nova York, cidade que não conhecia. Além de entender um lugar bem diferente de Atlanta, onde nasceu, teve de aprender a fotografar profission­almente. Desde então, aborda estranhos com perguntas íntimas como “qual é o momento mais triste de sua vida?”.

As respostas, que vão de histórias dramáticas a casos que derretem o coração, parecem todas genuínas e íntimas, o que fez com que o Humans of New York se tornasse um fenômeno em poucos meses. Hoje, os perfis do projeto acumulam 18 milhões de seguidores no Facebook e outros 6,5 milhões no Instagram.

No mundo real não é diferente. Os dois livros que Stanton lançou alcançaram o topo da lista de mais vendidos do “New York Times”.

É a partir da venda dos títulos e da renda de palestras que o fotógrafo financia viagens como a que faz agora — além do Brasil, visitou Argentina, Chile, Uruguai e Peru.

Em 2012, foi ao Irã, a primeira viagem internacio­nal do projeto, que nos anos seguintes passou por Iraque, Paquistão, Uganda, México, Israel e Índia, entre outros.

“O ponto principal é se aproximar com confiança, calma e um jeito que não seja ameaçador”, explica Stanton. “É muito mais como você diz algo, e não o que diz. Não me-

BRANDON STANTON

criador do Humans of New York

“vejo em Donald Trump me mostra que há algo real pelo qual eu possa me interessar. Tenho a sensação de que, após 45 minutos de conversa, eu deixaria sua sala sem ter algo relevante para publicar. O que vejo é alguém que desconvers­a, e o meu projeto é sobre ser objetivo

lhorei a forma como abordava as pessoas porque encontrei a coisa certa a dizer, mas porque me sentia mais confortáve­l ao falar com elas.”

Além da calma que Stanton transmite, seu visual básico —camiseta, bermuda e tênis— faz com que ele passe por uma pessoa qualquer. ABSTRAÇÕES A principal palavra que usa para definir o que faz suas conversas serem especiais é “energia” —ainda que o fotógrafo diga odiar abstrações.

“Energia é importante quando você pergunta sobre a morte de sua mãe, vício em drogas ou a época em que você traiu sua mulher. Há uma pequena diferença entre conversas e entrevista­s. Mas essa pequena distinção provoca resultados drasticame­nte diferentes. Eu converso, eu não entrevisto as pessoas.”

Na prática, a tal energia se materializ­a em certas regras:

1) A abordagem começa com o pedido de um retrato;

2) Stanton se aproxima apenas de pessoas que estão sozinhas ou em duplas. Os solitários falam sobre suas vidas. Já os pares discorrem sobre o relacionam­ento entre eles;

3) Procura ser cordial, sobretudo na abordagem, mas durante a conversa faz poucas expressões faciais e anota todo o papo no celular. A voz é suave, e ele não demonstra pressa —os diálogos podem durar mais de 40 minutos;

4) As entrevista­s começam com perguntas como “você é IDEM

Energia é importante quando você pergunta sobre a morte de sua mãe, vício em drogas ou a época em que você traiu sua mulher. Há uma pequena diferença entre conversas e entrevista­s. Mas essa pequena distinção provoca resultados drasticame­nte diferentes. Eu converso, eu não entrevisto as pessoas

aquilo que projetou ser quando tinha 18 anos?” ou “qual é seu maior arrependim­ento?”;

5) O fotógrafo elabora então questões a partir das respostas. Foge de generalida­des e investe em pontos ainda sem muitos detalhes, mas sempre com extrema cautela. GANCHOS “Quando a pessoa começa a fugir de um assunto, ele interrompe e puxa o tema de volta”, conta Maria Fernanda Lana, 32, que traduz os relatos paulistano­s para Stanton e o levou a locais como o parque do Ibirapuera, a avenida Paulista e a praça Roosevelt.

Fã do projeto, ela diz que o fotógrafo é “muito habilidoso em perceber pequenos ganchos que a pessoa solta sobre a história que quer contar”.

Antes de viajar à América do Sul, o americano publicou uma mensagem no Facebook buscando tradutores. Embora Maria seja intérprete profission­al, Stanton diz que a escolha não tem a ver com o nível de fluência em inglês, mas com —de novo— energia.

“Os tradutores têm de ser a minha língua, têm de parar as pessoas na rua, têm de fazer com que os personagen­s se sintam confortáve­is. Tudo isso gira em torno de energia.”

Ainda que as histórias publicadas por Stanton abordem temas pesados, que costumam ser evitados, ele nem sempre publica o que ouve nas ruas.

Relatos com acusações a terceiros são evitados, assim como narrativas que apresentem visões racistas. Se o projeto é capaz de dar visibilida­de a uma campanha beneficent­e que arrecadou US$ 1 milhão para uma escola, Stanton não quer servir de vitrine a mensagens de ódio.

O fotógrafo descarta incluir o presidente dos EUA, Donald Trump, entre os personagen­s do Humans of New York, ao contrário do que fez com o antecessor, Barack Obama, e Hillary Clinton, candidata democrata derrotada nas eleições.

“Uma boa entrevista ocorre quando alguém se mostra aberto, honesto e vulnerável. Já uma conversa ruim acontece quando as pessoas levantam escudos e falam generalida­des em vez de revelar suas vidas”, explica ele.

“Nada do que vejo em Trump me mostra que há algo real pelo qual eu possa me interessar. Tenho a sensação de que, após 45 minutos de conversa, eu deixaria sua sala sem ter algo relevante para publicar. O que vejo é alguém que desconvers­a, e o meu projeto é sobre ser objetivo.”

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Brandon Stanton, à esq., junto à tradutora, conversa com flanelinha no parque da Água Branca
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Fotos Brandon Stanton Menina que venceu eleição do grupo de escoteiros do qual ela faz parte
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No centro de SP, garota discorreu sobre a relação com o pai
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