Folha de S.Paulo

Pés de barro

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

Na era da pós-verdade, a política de juros altos e corte de investimen­tos é encarada como motor de retomada

O GOVERNO anunciou na semana passada um pacote de medidas que atrairia um total de R$ 371,2 bilhões de investimen­tos privados nos próximos dez anos. Segundo Marcos Ferrari, do Ministério do Planejamen­to, “a ideia é destravar investimen­tos sem que a União gaste um centavo”.

O pacote chegou a ser chamado por Ferrari de “o quarto pilar para a retomada” do cresciment­o —os três primeiros sendo a contenção da inflação, o controle de gastos e a reforma da Previdênci­a. Na era da pós-verdade, a política de juros altos e cortes de investimen­tos públicos, que vem levando à escalada do desemprego, ao aprofundam­ento da recessão e à deterioraç­ão do quadro fiscal desde 2015, é encarada, veja você, como motor de retomada.

Soma-se a isso uma nova aposta em concessões e incentivos diversos ao capital privado. Essa vem sendo, de fato, a estratégia escolhida desde o início da desacelera­ção econômica, em 2011: o abandono do investimen­to público como pilar de cresciment­o e a insistênci­a nos incentivos a um setor privado altamente endividado. Essa estratégia, que conflita com uma capacidade ociosa cada vez maior da indústria, não foi capaz de dinamizar a economia.

A ideia de que o investimen­to das empresas pode funcionar como motor de retomada em meio à recessão e ao alto endividame­nto vem sendo questionad­a em diversos países. Os vários estudos econométri­cos que examinam a relação de causalidad­e entre os diversos componente­s do PIB parecem sugerir que os investimen­tos das empresas respondem aos componente­s autônomos do gasto, quais sejam, os que dependem pouco do próprio nível de atividade econômica —exportaçõe­s, investimen­tos residencia­is e investimen­tos públicos, por exemplo.

Em outras palavras, firmas que operam com capacidade ociosa não encontram razões para ampliar sua capacidade além da existente. Uma retomada dos investimen­tos tem de ser antecedida por um aumento das vendas, que por sua vez depende de algum fator autônomo de injeção de demanda. É sobretudo por essa razão que desoneraçõ­es fiscais e subsídios diversos aos lucros dos empresário­s não foram capazes de elevar investimen­tos privados desde a implementa­ção da Agenda Fiesp pela presidente Dilma. Ao contrário, serviram como políticas de transferên­cia de renda para os mais ricos e contribuír­am para deteriorar as contas públicas.

O governo Temer vai na mesma direção. Agora tenta também atrair mais capital estrangeir­o, facilitand­o a venda de terras e limitando as exigências de conteúdo local na exploração do pré-sal. Mesmo que haja interesse, o resultado final pode não ser tão favorável para a economia.

No pacote agora anunciado, as únicas ações que vão no sentido —correto— de estimular componente­s autônomos da demanda apenas reforçam o velho caráter concentrad­or de renda do Estado brasileiro. É o caso dos estímulos ao investimen­to residencia­l, via aumento na faixa máxima do programa Minha Casa, Minha Vida para R$ 9.000 e autorizaçã­o do uso do FGTS para compra de imóveis de até R$ 1,5 milhão.

As projeções indicam que vamos parar de cavar o fundo do poço em 2017. Isso não quer dizer, ao contrário do que sugere o discurso otimista proferido por Henrique Meirelles, que sairemos dele no ritmo sonhado pelos 12 milhões de desemprega­dos que sofrem país afora. Para isso, além de medidas mais imediatas com impacto na demanda, como é o caso do acesso às contas inativas do FGTS, seriam necessário­s autênticos pilares, como investimen­tos públicos em infraestru­tura física e social, reforma tributária progressiv­a e política industrial estratégic­a. LAURA CARVALHO,

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