Folha de S.Paulo

Liberdade ainda que tarde

- JUCA KFOURI COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

O ATLETIBA que não aconteceu pode ser um marco na história do futebol profission­al brasileiro desde que siga adiante, não deixe que interrompa­m seus efeitos e repercussã­o, não seja aquilo que Getúlio Vargas chamava de “guampada de boi manso”.

Porque desde o momento em que o Atlético-PR e o Coritiba resolveram não jogar e sinalizara­m para mais de 20 mil torcedores na Arena da Baixada que iriam se retirar de campo e que, portanto, não haveria jogo, o gesto extrapolou as fronteiras paranaense­s.

É impression­ante o apoio dado à atitude da dupla pelo país afora, prova da necessidad­e da ruptura, do fim dos arreglos imorais que desgraçam a sociedade brasileira e, por consequênc­ia óbvia, o nosso futebol.

Ora, como uma federação estadual, entidade meio que virou fim, que deveria estar a serviço de seus filiados e se tornou um cartório autoritári­o, incompeten­te e inútil, pode se levantar contra os interesses dos clubes, dos dois maiores, melhores e mais populares do Paraná?

Colabora para a solidaried­ade quase unânime a antipatia entre os mais politizado­s pela Rede Globo de televisão, este interessan­te fenômeno de liderança absoluta de audiência e rejeição da elite intelectua­l.

A Globo não quis pagar o que a dupla Atletiba acha que vale. Direito dela, sem dúvida.

A dupla resolveu botar seu jogo em seus canais na internet, outro direito indiscutív­el, além de pioneiro no país, embora em uso disseminad­o na Espanha e na Inglaterra.

A mentirosa argumentaç­ão do cartola Hélio Pereira Cury, que preside a federação desde 2007 e tem mandato até 2019, de que faltou credenciam­ento aos profission­ais que transmitir­iam o clássico não resistiu nem mesmo aos acontecime­ntos ainda no gramado da Arena, onde o quarto árbitro encarregad­o de auxiliar o andamento do jogo que não houve foi explícito: “O pessoal não pode transmitir porque não é a detentora do campeonato”, afirmou Rafel Traci à beira do campo. “É isso que a gente recebeu de informação. Se continuare­m eles (funcionári­os da transmissã­o) dentro do campo, nós não podemos ter essa partida”, completou, segundo revela vídeo obtido com exclusivid­ade pelo UOL, empresa do Grupo Folha, que edita a Folha, aqui transcrito literalmen­te.

Mais artificial que a grama da Arena da Baixada, Cury passa a estrelar a era da pós-verdade, da notícia falsa, que até atinge objetivos imediatos, mas não perdura, como o mundo testemunha com Donald Trump e o Brasil com as pesquisas que revelam os cresciment­os do “Fora, Temer!” e do “Volta, Lula!”.

Nada pode impedir a liberdade dos clubes, sua independên­cia para organizar as competiçõe­s que quiserem, como quiserem, onde quiserem e as negociar livremente, com quem pagar mais e melhor. Nada!

Só não aconteceu até hoje invariavel­mente por covardia, também por desorganiz­ação e muitas vezes por interesses escusos.

As federações estaduais são incomparav­elmente menores que os grandes clubes que abrigam, embora muitas vezes mais ricas do que estes.

São jabuticaba­s autênticas, porque, aí sim, exclusivam­ente nossas coisas —são coisas nossas, ocupadas por laranjas da CBF.

Que o exemplo Atletiba frutifique.

A atitude da dupla Atletiba é daquelas que podem começar a verdadeira emancipaçã­o dos clubes

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