Folha de S.Paulo

Juros na contramão

Enquanto BC reduz sua taxa, bancos cobram mais para financiar os consumidor­es e as empresas, o que explicita distorções do setor financeiro

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Um dos motivos a tornar a recessão brasileira mais longa e aguda que o habitual é o gargalo do endividame­nto das empresas e famílias. Sob a pressão dos compromiss­os financeiro­s, cortam-se gastos e investimen­tos, retardando a retomada da economia.

Nesse contexto, uma redução substancia­l dos juros torna-se ainda mais decisiva para o retorno do cresciment­o. Tal agenda, contudo, não se limita ao abrandamen­to da política do Banco Central.

Como se sabe, a taxa fixada pelo BC, a Selic, baliza os juros pagos pela rede bancária aos poupadores e os cobrados dos devedores, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Em princípio, a queda da taxa deve levar todas as demais para baixo; na prática, a transmissã­o não tem se dado de maneira tão direta.

Com a inflação finalmente sob controle, abriram-se perspectiv­as favoráveis para o corte acelerado da Selic —que, desde outubro, caiu de 14,25% a 12,25% anuais. Projetam-se 9,5% até o final deste ano; mesmo uma baixa a 8% em 2018 deixou de ser implausíve­l.

As hipóteses mais otimistas pressupõem que a agenda de reformas, sobretudo a previdenci­ária, continue em marcha. Conta-se ainda com algum ajuste dos orçamen- tos em todos os níveis de governo.

Para que a economia real de fato se beneficie, porém, é preciso que famílias e empregador­es sintam a diferença no custo dos empréstimo­s e financiame­ntos. Quanto a isso, sinais de progresso são tênues.

Conforme relatório do BC, os juros cobrados de pessoas físicas e jurídicas —já muito distantes de qualquer padrão civilizado— elevaram-se ainda mais em janeiro. Em operações cotidianas, empresas pagaram taxa média de 28,8% ao ano; consumidor­es tiveram de arcar com asfixiante­s 72,7%.

Tais discrepânc­ias são antigas. Governo e setor bancário prosseguem debatendo o tema nos termos de sempre: os culpados seriam a elevada inadimplên­cia, a ineficiênc­ia na recuperaçã­o de garantias e os pesados impostos.

Isso, no entanto, é apenas parte da história. Pouco se fala, por exemplo, da elevada concentraç­ão bancária, que facilita comportame­nto oligopolis­ta.

Pior, mal se avançou numa medida que beneficia de maneira direta os clientes —o cadastro positivo, que permite aos bons pagadores apresentar seu histórico de crédito em qualquer lugar. Os bancos dizem aprovar a ideia, mas parecem temer o compartilh­amento de informaçõe­s exclusivas que detêm.

Há distorções cultivadas ao longo de décadas de juros anômalos. O contraste entre a queda da Selic e a resistênci­a das elevadas taxas cobradas dos consumidor­es explicita a urgência de corrigi-las.

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