Folha de S.Paulo

Marca contente

- NIZAN GUANAES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

TEM GENTE que fala de “branded content” como se o apoio que marcas dão a conteúdos em troca de exposição tivesse sido inventado hoje.

Só que criar conteúdo para a promoção de mensagens específica­s é a coisa mais velha do mundo.

Jesus fazia “branded content” com as parábolas: era um vez um semeador... era uma vez um filho pródigo... Esopo, na Grécia Antiga, também fazia a mesma coisa com suas fábulas. Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, virou “branded content” para o Biotônico Fontoura no começo do século passado. A novela de rádio nasceu como “branded content” para a Procter & Gamble vender sabão (“soap opera”).

O cresciment­o do “branded content” hoje deve muito à chatice da publicidad­e. Usando pesquisas padronizad­as e pouco eficazes, anunciante­s foram jogando no ar comerciais supostamen­te de alto impacto, chamados “hard sell”, mas que na maioria não “sell” nada.

Eles falam tudo, gritam muito, explicam bastante, só que as pessoas zapeiam, pulam, deletam e esquecem.

Os jovens não detestam publicidad­e. Eles detestam chatice. Por isso pulam alguns comerciais. Por isso a onda agora é “branded content”, que é quase tudo que a boa propaganda deveria ser: sutileza, inteligênc­ia, entretenim­ento, enredo que engaja e põe a marca num protagonis­mo moderno e não forçado.

Mas, como sempre, é preciso separar o joio do trigo. Tem “branded content” e tem “enrolation”.

Para ser “branded content” tem que ter engajament­o e capacidade de construir algo para a marca. Se a marca do cliente só aparece no final, apagadinha e rapidinha, o impacto é baixo, se tanto.

A capacidade da imaginação humana de inventar para vender é maravilhos­a. Mas sei muito bem também que ninguém é mais competente em descobrir o “fake” do que o consumidor. Ele sente de longe o cheiro do falso e do engodo.

Tem muita pintura moderna que não é nem pintura nem moderna —é truque. Tem muita instalação que é enganação e “encheção” de linguiça. A mesma coisa vale para “branded content”.

A moral da história é que é preciso cuidado para não comprar gato por lebre a preço de chinchila.

Eu me sinto muito à vontade para falar nesse assunto.

“We Are The World of Carnaval”, uma música que fiz 28 anos atrás em projeto de “branded content” para uma ótica baiana, virou hino da folia de Salvador e acaba de ser eleita, em votação popular, a melhor música de Carnaval da Bahia nos últimos 30 anos.

Eu odeio manifesto e hashtag. Quem usa muito Powerpoint geralmente não tem nem power nem point. Muito manifesto é sinal de pouca ideia, #semideia.

Com as parábolas de Jesus e fábula de Esopo, eu caminho para o futuro, evitando muita pose e muito lero. O negócio é por a mão na massa e trabalhar. O futuro começou faz tempo. Algumas das obras de arte mais incríveis foram criadas dentro do espírito mais comercial, como os grandes sucessos de Hollywood e da nossa Atlântica Cinematogr­áfica.

Maravilhos­as canções americanas de autores como Cole Porter, Irving Berlin e irmãos Gershwin foram criadas na chamada Tin Pan Alley, região de Manhattan que concentrav­a a indústria da música no início do século passado. Ali se costumava dizer a artistas aspirantes e idealistas: “Quer passar uma mensagem? Vá a uma agência dos correios”.

Mas podemos também dizer: Quer passar uma mensagem? Atrele sua marca a um conteúdo de qualidade de forma criativa e inteligent­e. Muita gente vai prestar atenção. E sua marca vai brilhar contente.

Cresciment­o do “branded content” hoje deve muito à chatice da publicidad­e, com pesquisas pouco eficazes

NIZAN GUANAES,

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