TUDO LEVA AO CENTRO
Mais bem servido de transporte e menos residencial, miolo da cidade se consolida como o point da folia paulistana
O centro de São Paulo virou neste ano o centro das atenções do Carnaval de rua paulistano. Pelo menos para o público. Com blocos que reuniram centenas de milhares de pessoas, a região desbancou a Vila Madalena e tornouse o principal point da folia.
Até o ano passado, o bairro da zona oeste —boêmio e residencial— concentrava a maior parte dos foliões e os problemas decorrentes, como excesso de lixo, barulho na madrugada, furtos e dificuldade na dispersão do público.
Houve até confrontos entre policiais militares e pessoas que se recusavam a deixar as ruas —cenas recheadas de bombas de efeito moral.
Neste ano, o controle de acesso e a dispersão —feitos pela prefeitura e pela PM— funcionaram melhor, e a Vila Madalena teve um período um pouco menos turbulento que em outros Carnavais.
Já a região central se consolidou como o foco da folia de rua, com um crescimento de 86 blocos no ano passado para 113 neste. O Domingo Ela Não Vai, por exemplo, reuniu neste domingo (26) um público estimado em 150 mil pessoas no vale do Anhangabaú. No ano passado, eram 40 mil.
O jornalista Alberto Pereira Jr., 30, um dos organizadores, diz que até esperava um crescimento, mas não nessas proporções. “Quando criamos o bloco, há dois anos, queríamos reunir os amigos. Em 2016, já foi bastante grande. Agora, esperávamos crescer, mas nem tanto. Estamos muito felizes”, afirma.
Blocos mais organizados e com apoio ajudaram a puxar mais pessoas para o centro. O trio Domingo Ela Não Vai teve patrocínio, investiu em banda própria e contou com a cantora Gretchen.
“Desde o ano passado, já houve essa tendência pelo centro, mas a gente sentiu que neste ano aumentou. Também porque a prefeitura restringiu muitas vias para a passagem dos blocos”, diz Pereira Jr.
Outro sucesso do centro foi o Acadêmicos do Baixo Augusta, tido como o maior bloco
Os jatos d’água para limpeza da via viraram até festa em alguns pontos, como a praça da República
Casos de vandalismo como no Agrada Gregos, em que foliões dançaram em cima de um ônibus Falta de pontos para dar informação a foliões Som quase inaudível longe do trio elétrico
Apenas Vila Madalena teve atenção especial de PMs. Largo da Batata e Vale do Anhangabaú tinham pouco efetivo da cidade. No fim de semana do pré-Carnaval, arrastou 350 mil pessoas pela região.
“Sempre achamos que o centro era uma expressão artística importante do Carnaval de rua, pois ele representa a diversidade”, explica o empresário Alê Yousseff, coordenador do bloco.
O pré-Carnaval também pode ser considerado como um fator que embalou o folião a ficar no centro.
Em um “esquenta” nos dias 11 e 12 de fevereiro, uma multidão tomou o Memorial da América Latina, na zona oeste, mas colado na porção central da cidade, para ver shows de blocos como o carioca Sargento Pimenta, que toca canções dos Beatles.
Um ensaio do grupo Tarado Ni Você, que homenageia Caetano Veloso, uma semana antes do início oficial da folia, virou um fenômeno — com milhares pulando no túnel da avenida Paulista. FOLIA INESPERADA A folia no centro teve algumas vantagens: a região é bem servida de metrô, e as ruas, mais largas, não são tão residenciais como as da Vila Madalena. Os problemas pareceram menos graves: houve menos confusões até agora e não foram registrados confrontos de foliões com a polícia.
Em alguns casos, porém, a prefeitura demorou para retirar o lixo, principalmente na rua Augusta nesta segunda (27). Quinze horas depois da passagem do Bloco do Desmanche, que teve 100 mil pessoas, ainda havia grande quantidade de garrafas, latas e caixas nas calçadas.
A Bela Vista, por onde passou o Agrada Gregos —65 mil foliões no sábado (25)— também teve dificuldades. Durante o desfile, um grupo invadiu e depredou um ônibus. A prefeitura estuda punição.
Comerciantes e moradores do bairro reclamaram da falta de estrutura, como os poucos banheiros químicos. As tradicionais cantinas do bairro se viram rodeadas por pessoas implorando por banheiros. Algumas fecharam.
“Teve gente que ofereceu R$ 100 para usar nosso banheiro. Mas não somos uma empresa de banheiros públicos”, diz Cristina Oka, 52, gerente da Roperto, cantina na rua Treze de Maio. “Ninguém esperava esse público. Achamos que faltaram estrutura e planejamento”, completa.
Nem o Agrada Gregos esperava tanta gente. “Fomos surpreendidos. No ano passado, foram 15 mil pessoas. Neste ano, 65 mil. Houve alguns problemas, mas o resultado no final foi bom”, diz o corretor Gabriel Ribeiro, 33, um dos organizadores.
A gestão João Doria (PSDB) informou que contratou quase o dobro de diárias de banheiros químicos do ano passado —14 mil, contra 8.000— e alegou que a distribuição deles foi feita com base na programação e em dados repassados pelos blocos.
Sobre o lixo, declarou que “o serviço de varrição na rua Augusta foi realizado conforme a programação” e que a ocorrência registrada pela reportagem aconteceu na madrugada, após a passagem do bloco, e que o local já foi limpo. (LEANDRO MACHADO, JAIRO MARQUES E MARTHA ALVES)