Folha de S.Paulo

#OscarsSoBl­ack

Após polêmica racial do #OscarsSoWh­ite, maior premiação de Hollywood consagra ‘Moonlight’, o oposto técnico e temático do musical escapista ‘La La Land’, favorito que foi anunciado como o vencedor em gafe sem precedente­s

- GUILHERME GENESTRETI

Uma gafe sem precedente­s no Oscar fez do Dolby Theatre palco de uma imagem carregada de simbolismo: a equipe do musical “La La Land”, composta majoritari­amente por brancos, cedendo espaço para a de “Moonlight”, longa dirigido e protagoniz­ado apenas por negros e o verdadeiro vencedor do prêmio de melhor filme.

A trapalhada no anúncio ofuscou a tentativa da Academia de se emendar após queixas de racismo, mas não esvaziou o conteúdo político: ao premiar “Moonlight”, Hollywood também abraçou um drama de temática gay e mandou um recado claro a Trump, lembrado pelo apresentad­or Jimmy Kimmel e em discursos.

O duelo entre as duas produções escancara uma rivalidade entre opostos. A começar, tecnicamen­te: “La La Land”, de Damien Chazelle, custou US$ 30 milhões (cerca de R$ 93 milhões), ante o modesto US$ 1,5 milhão (R$ 4,6 milhões) de “Moonlight”, de Barry Jenkins —mais barato até do que produções brasileira­s como “Pequeno Segredo”, de R$ 10 milhões.

E não só tecnicamen­te. “La La Land” é escapismo puro. É uma história de amor que levantou queixas de racismo por ter protagonis­tas brancos (Ryan Gosling e Emma Stone) num universo indissociá­vel da cultura negra, o do jazz. Mais ironia: na trama, é o branco Sebastian (Gosling) quem luta por manter a pureza do estilo musical diante das investidas moderninha­s do parceiro negro Keith (interpreta­do por John Legend).

Contra a beleza asséptica de “La La Land”, “Moonlight” traz a dureza das ruas de Miami na pele de um jovem negro, gay e pobre que tateia em busca de identidade enquanto lida com a mãe drogada, o amigo por quem nutre paixão e o traficante que lhe serve de enviesada referência paterna (Mahershala Ali, vencedor do prêmio de ator coadjuvant­e).

Ali ajudou a coroar essa noite pró-negros. Além dele, também levaram prêmios: Viola Davis,por “Um Limite Entre Nós”; Ezra Edelman, pelo documentár­io “O.J.: Made in America”; e Tarell Alvin McCraney e Barry Jenkins, pelo roteiro de “Moonlight”.

O filme de Jenkins não foi o primeiro dirigido por um negro a ganhar o Oscar principal. Em 2014, Steve McQueen rompeu a barreira com “12 Anos de Escravidão”, mas seu longa tange o racismo pelo viés desgastado —e até fetichista— do negro escravo, subjugado pelo branco. “Moonlight” vai além: as chagas do racismo exalam ainda que nenhum branco esteja em cena.

“Moonlight” também representa a primeira vitória de um drama gay na principal categoria do Oscar, reparando o que muitos encararam como injustiça, em 2006, quando “Brokeback Mountain” perdeu a estatueta para “Crash”.

Para Hollywood, que vê sua receita doméstica encolher com o fortalecim­ento dos serviços sob demanda, abrir-se para o multicultu­ralismo é questão de sobrevivên­cia.

Ao negar o principal Oscar da noite ao musical de Damien Chazelle, a Academia leva a cidade dos sonhos a despertar para o fato de que 2017, primeiro ano do governo Trump, está mais para a aspereza de “Moonlight” do que para o colorido onírico de “La La Land”.

Ao site “Breitbart News”, o presidente afirmou que a cerimônia se preocupou tanto em ser política que cometeu a gafe do final. “Triste”, disse.

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