Folha de S.Paulo

ANÁLISE Apesar do ar de filme de arte, vencedor tem peso temático

- INÁCIO ARAUJO

FOLHA

No final das contas, quem pôde mesmo rir com a premiação do Oscar, ou com a amadorísti­ca confusão armada no final, foi o presidente americano. Afinal, nove entre dez intervençõ­es ao longo da cerimônia eram para mostrar, com humor ou sem, que Hollywood está em guerra com Donald Trump.

O prêmio de melhor filme a “Moonlight” talvez entre nessa conta. Tratava-se de eleger um filme que respondess­e a um momento, afinal, grave da nação. E o filme de Barry Jenkins tem de sobra o peso temático que falta a “La La Land” (que ficou com melhor direção e atriz, entre os prêmios principais).

Ali fala-se de negros e homossexua­is, aborda-se uma comunidade pobre, um protagonis­ta sem pai, com uma mãe drogada e de certa forma adotado por um traficante.

O ponto mais interessan­te do filme talvez seja a construção do protagonis­ta, cujos olhos parece que nada veem, mas sempre são vistos com intensidad­e: esse jovem introverti­do se forma de fora para dentro, a partir, sempre, do olhar do outro.

Em troca, carrega com todas as tintas as marcas do filme de prestígio, a começar pela fotografia, que por vezes torna os personagen­s tão impalpávei­s que um tema essencialm­ente carnal, como a sexualidad­e, acaba reduzido à abstração. A dignidade triunfa sobre o conjunto do filme e até mesmo seus temas terminam um tanto diluídos.

Damien Chazelle terá sempre o troféu de melhor direção para se consolar. Com sua estrela, Emma Stone, esse jovem cineasta com cara de pós-adolescent­e impõe-se como uma das esperanças da nova Hollywood.

Sobretudo a premiação de Emma Stone foi previsível: o Oscar gosta de promover jovens estrelas. E ela já mostrou que é ótima. Casey Affleck, o melhor ator, é outra aposta. Pessoalmen­te, me impression­ou bem mais o Andrew Garfield de “Até o Último Homem”, mas ninguém estava a fim de encher demais a bola de Mel Gibson, o diretor do filme (e apoiador de Trump).

Numa noite em que o Oscar lavou-se da ausência de negros no ano passado e deu o grande prêmio a um filme “all black”, não se pode deixar de dizer que, depois das 14 retumbante­s indicações, “La La Land” saiu da noite meio que com o rabo entre as pernas. E Trump com as orelhas quentes.

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