Folha de S.Paulo

Orçamento

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Nestes tempos de reforma, faria bem à democracia rever as regras sobre diversos gastos financiado­s com recursos compulsori­amente arrecadado­s da sociedade.

Atualmente, cerca de 92% do orçamento federal é determinad­o por normas legais.

Caso o governo resolvesse nada gastar dos 8% restantes, incluindo as despesas mais corriqueir­as que permitem o funcioname­nto da máquina pública, a economia seria de cerca de R$ 90 bilhões, pouco mais da metade do deficit previsto para este ano, a maior parte decorrente das despesas com Previdênci­a, que irão aumentar com o envelhecim­ento da população nas regras atuais para aposentado­ria.

Além disso, existem muitos programas realizados com recursos arrecadado­s da sociedade que nem mesmo são incluídos no Orçamento.

Os exemplos são muitos. Existem recursos arrecadado­s compulsori­amente destinados a entidades privadas, como no caso dos sindicatos e federações, de trabalhado­res e de empresas, cujos balanços ao menos deveriam ser avaliados por auditores independen­tes.

Existem também recursos destinados a fundos, como o FAT e o FGTS, geridos por conselhos com representa­ntes do governo e do setor privado. Os exemplos se multiplica­m no governo federal e nos Estados.

Além disso, desde o fim da década passada, foram criados diversos mecanismos que permitiram a expansão do gasto público sem a devida transparên­cia sobre os seus custos e benefícios.

Um exemplo é o Fies. O desembolso não afeta o gasto primário, mas a inadimplên­cia é paga pelo Tesouro posteriorm­ente, ainda que não prevista pelo Orçamento.

Outro exemplo é o Programa de Sustentaçã­o do Investimen­to, criado em 2009. O BNDES passou a conceder novas modalidade­s de crédito subsidiado, financiada­s com recursos do Tesouro, que, porém, apenas reconhece a sua dívida com o banco dois anos depois da concessão. Primeiro o gasto, depois a sua inclusão no Orçamento. Em 2015 esse prazo foi reduzido para seis meses.

O Tesouro concedeu aval para dívidas dos governos estaduais, que ofereciam garantias para o caso de inadimplên­cia. Recentemen­te, porém, o STF deu liminar suspendend­o as garantias do Rio de Janeiro, compromete­ndo os recursos da União. Melhor que o Tesouro não conceda aval, e que os Estados obtenham empréstimo­s apenas pelos seus próprios méritos.

Dessa forma, diversos gastos são financiado­s com recursos compulsori­amente arrecadado­s da sociedade sem a análise transparen­te dos seus impactos e decididos por normas legais ou pela tecnocraci­a, frequentem­ente concedendo benefícios a grupos de interesse. A retomada da competênci­a do Congresso em deliberar sobre o orçamento público beneficiar­ia a democracia.

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