Folha de S.Paulo

A carne continuará fraca

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BRASÍLIA - Não é só a carne que está podre. A nova ofensiva da PF expôs o grau de decomposiç­ão avançada das relações entre o dinheiro, a política e os órgãos que deveriam proteger o consumidor no Brasil.

A operação Carne Fraca flagrou práticas de embrulhar o estômago: reembalage­m de comida estragada, uso de substância­s cancerígen­as para maquiar produtos vencidos, mistura de papelão nas salsichas.

Tudo era permitido graças à promiscuid­ade entre frigorífic­os e funcionári­os do Ministério da Agricultur­a. A bancada ruralista é quem dá as ordens na pasta. Deputados nomeiam e demitem fiscais, travam ações sanitárias e fazem pressão para afrouxar o controle das mercadoria­s.

Um dos grampos fisgou a intimidade entre o novo ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e o fiscal apontado como “líder da organizaçã­o criminosa”. Na ligação, o peemedebis­ta chama o funcionári­o suspeito de corrupção de “grande chefe”.

Há poucos meses, ele prestava a mesma reverência a Eduardo Cunha. Chegou a defender que o amigo fosse anistiado pelas acusações que o levaram à cadeia em Curitiba.

Se a fiscalizaç­ão é fraca, a ligação entre os frigorífic­os e a política é fortíssima. Em 2014, o setor despejou quase R$ 400 milhões em campanhas. O grosso do dinheiro foi fatiado entre PT, PMDB e PSDB.

A JBS, que controla as marcas Friboi e Seara, aparece como a maior financiado­ra de Serraglio. A empresa também abriu os cofres para as campanhas presidenci­ais de Dilma Rousseff e Aécio Neves. O recado era claro: queria continuar bem com o governo, seja quem fosse o eleito.

O escândalo deve produzir mais um forte abalo na economia. Os frigorífic­os empregam milhares e o Brasil se tornou o maior exportador do mundo no setor. Nada disso, é claro, pode servir como desculpa para evitar punições. Além de identifica­r os culpados, é preciso reforçar os controles para que o caso não se repita. Afinal, a carne continuará fraca.

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