OS AMIGOS
Há 50 anos, eles se reuniram dispostos a fazer uma faculdade de ponta em SP; um erro importante na gestão, porém, fez a amizade virar disputa, prejudicou professores e pode minar a instituição
DE SÃO PAULO
Tudo parecia ter dado certo para os cinco amigos que em 1967 resolveram abrir a primeira faculdade da recémcriada cidade de Osasco (SP).
De uma única sala com 118 alunos, chegaram a 14 mil em três campi em 2006. O Unifieo (Centro Universitário Fieo) tinha então 40 cursos aprovados e os docentes mais bem pagos da região.
Tudo hoje parece ter dado errado para eles na empreitada, que completa 50 anos.
Dos 5 fundadores, 2 morreram e um terceiro processa os restantes —um dos quais renunciou em janeiro. Endividada, a escola demitiu 180 professores em sete meses, mais de 100 por justa causa —contestadas na Justiça.
Dos cerca de 6.000 matriculados em 2016, só um terço continuava a frequentar as aulas neste semestre.
Oito cursos foram fechados; só 11 têm ingressantes. SUCESSO FATAL Para entender como em apenas uma década a instituição passou do céu ao inferno, a Folha entrevistou fundadores ou seus representantes, professores, ex-alunos, entidades de classe patronais e sindicais e a atual reitoria.
São partes com interesses diferentes, até divergentes, mas uma avaliação é comum: o vírus que abateu a escola foi inoculado pelos próprios amigos já na inauguração.
Os fundadores combinaram um revezamento nos principais cargos, para que todos se envolvessem e assumissem responsabilidades, diz Luiz Fernando da Costa e Silva, 84, único ainda na ativa.
Era um arranjo que funcionava numa escola pequena,
2006
erguida com o apoio de Amador Aguiar, que instalava ali ao lado a sede do Bradesco.
O banqueiro ajudou os sócios no primeiro prédio e na biblioteca, deu aval ao projeto no MEC e sugeriu um curso de administração, no qual estudavam funcionários do banco. Sem concorrentes, com ajuda de peso e fundadores respeitados em direito, a escola cresceu rápido. E foi aí que começou a ruir.
Entrou muito dinheiro, veio prestígio, e o que era revezamento se transformou em disputa, relata Maria Regina, filha de Luís Carlos de Azevedo, morto em 2011.
De batalha, virou guerra na Justiça. José Maria de Mello Freire tentou afastar Costa e Silva e José Cassio Soares Hungria, acusando-os de gestão temerária e nepotismo.
O caso ainda tramita, mas o acusador foi condenado a indenizar Hungria e afastado da instituição.
A Folha procurou Mello Freire e seu advogado, mas não conseguiu entrevistá-los.
A essa altura, Descio Mendes Pereira, o único dos cinco que não estudara direito na USP, já havia morrido.
Azevedo se afastara por dez anos para assumir como juiz. “Quando voltou, os outros se consideravam mais donos que ele”, diz a filha.
“Costa e Silva e Hungria não tinham uma boa relação. Quando um assumia, trocava toda a equipe.” Foi o caso, por exemplo, da professora Sandra Regina Petroncare: em 2013 virou coordenadora a convite de Hungria. Em 2014, Costa Silva a depôs do cargo. Em 2015, reassumiu.
Enquanto os sócios brigavam, grandes grupos internacionais do ensino superior passaram a disputar —e abocanhar— a freguesia. SALÁRIOS DE R$ 75 MIL Em novo golpe, o Unifieo teve seu status de entidade filantrópica questionado. Embora ofereça serviços de saúde e educação gratuitos, perdeu a isenção tributária sob suspeita de que os instituidores tinham lucro.
Inquérito civil atribui a Costa e Silva e a Hungria salários de R$ 74.958,87.
“O salário nunca chegou a R$ 75 mil. Recebíamos porque éramos professores e diretores. O INSS agiu de má- fé. Trabalhar de graça não dá”, diz Costa e Silva.
Trabalhar de graça, porém, foi o que começou a agastar os docentes.
Durante muitos anos, o Unifieo se orgulhara de ter bons professores, atraídos por até R$ 150/hora (valor que se ganha hoje no Insper ou na FGV). Mas no final de 2015 os salários começaram a atrasar e, em julho de 2016, 60 professores —a maioria com muitos anos de casa e salários mais altos— foram dispensados sem pagamento das verbas rescisórias.
Em agosto o Unifieo parou totalmente de pagar os professores. Parte deles, incluindo Sandra Petroncare, entrou em greve em novembro.
Em fevereiro, mais de 100 foram demitidos por justa causa, logo após a renúncia de Hungria, cuja carta alfineta o ex-colega: “Sinto-me de mãos atadas. Ceifaram a minha autonomia para atuar”.
“O dr. Hungria ficou muito cansado. Não está disposto a enfrentar o trabalho duro”, afirmou Costa e Silva.
Hungria não respondeu ao pedido de entrevista. Mariana, filha do fundador, disse que ele discordava dos rumos tomados pela administração.
Foi a nova reitoria, empossada em dezembro, que levou a cabo a demissão por justa causa. Franco Cocuzza, próreitor de Relações Comunitárias, diz que a causa foi o não fechamento das notas. “Tenho obrigação com meu consumidor, meus alunos.”
Seis professores demitidos ouvidos pela Folha elogiaram o centro universitário, mas criticam a reitoria. A situação piorou quando Cocuzza declarou a uma TV: “O Unifieo não tem dedicação exclusiva. Se o docente quer trabalhar só lá, é problema dele”.
“É uma ofensa”, diz o professor de marketing Fábio Cássio, 43, que se dedicava exclusivamente ao Unifieo desde 2013. Além da perda financeira, a justa causa deixou docentes sem convênio médico e fechou portas em outras faculdades.
Desde que chegou à Justiça, o caso teve duas audiências sem conciliação e agora vai a julgamento. Na quarta (15), a Procuradoria se manifestou pró-demitidos.
O aparente beco sem saída atraiu propostas de compra, consideradas aviltantes por Costa e Silva. Segundo ele, os investidores se interessam apenas pela carteira de estudantes e não se importam com qualidade de ensino.
“Não vamos vender nossos alunos como se vende gado.”
A atual gestão culpa ainda a recessão, mas, para a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior e o sindicato dos professores (Sinpro-Osasco), a crise do Unifieo é um caso isolado.
O futuro da instituição que diplomou mais de 55 mil bacharéis hoje é incerto. “Espero formar os bisnetos e tataranetos de nossos primeiros alunos. Filhos e netos, já formamos”, diz Costa Neto.