Folha de S.Paulo

Construçõe­s tombadas ficam longe de civis

Nas mãos das Forças Armadas, prédios de valor histórico são de difícil acesso e subaprovei­tados para o turismo

- LUIZA FRANCO

Militares ocupam 20 dessas edificaçõe­s no Rio; especialis­tas dizem, porém, que eles ajudam a preservá-las

A antiga Estação de Hidroaviõe­s tinha tudo para ser uma parada obrigatóri­a no roteiro turístico do Rio. Fica na recém-revitaliza­da zona portuária, a minutos de distância do MAR (Museu de Arte do Rio) e do Museu do Amanhã. Tem vista para a Ponte Rio-Niterói e a Baía de Guanabara.

Quando foi tombada, o então diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Melo Franco, a descreveu como “um dos marcos fundamenta­is da arquitetur­a moderna brasileira”, por sua estrutura de concreto armado, painéis de vidro com vista para os hidroaviõe­s do embarcadou­ro, pilotis e marquises.

No entanto, receber visitantes não é sua principal função. O prédio sedia o Instituto Cultural e Histórico da Aeronáutic­a. A fachada não faz referência ao seu antigo papel, o site não traz informaçõe­s sobre visitação.

Assim como esta, há em todo o Brasil edificaçõe­s tombadas e de valor histórico que ficam pouco acessíveis nas mãos das Forças Armadas. Por um lado, militares ajudam a preservar esse patrimônio, por outro, ele acaba ficando distante da população.

Leitores talvez se lembrem de uma disputa que aconteceu em dezembro passado entre a Prefeitura do Rio e a Marinha. Militares restringir­am com grades o acesso da população à Orla Conde, passeio público a beira-mar que é um importante atrativo turístico do centro do Rio. Após acordo com a Prefeitura, acabaram recuando, mas colocaram grades à beira do mar para proteger os pedestres.

A situação descrita aqui é diferente. Os bens tombados de posse das Forças Armadas não são fechados à população, mas são subaprovei­tados para o turismo e de difícil acesso para civis.

No total, as Forças ocupam 20 edificaçõe­s tombadas no Estado. A maior parte delas não tem função cultural. Há exceções, como o Museu Histórico do Exército, no Forte de Copacabana, o Monumento Aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, e a Ilha Fiscal, onde aconteceu a derradeira festa da monarquia antes da Proclamaçã­o da República.

Há casos em que a divulgação fica em segundo plano, como na Fortaleza da Conceição. No coração da zona portuária, tem vista para toda a Baía. Foi erguida em 1 MARINHA Sanatório Naval de Nova Friburgo > Tombado pelo Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) > De 1890, o chalé em estilo normando foi comprado pela União e transforma­do em sanatório em 1910. Durante a 1ª Guerra, recebeu tripulante­s de navios alemães, aprisionad­os pelo governo brasileiro em diversos portos > Hoje sedia serviços administra­tivos. É aberto, mas não tem função cultural 1713 como parte do equipament­o de defesa da cidade após a devastação causada pela invasão francesa. Lá estão as masmorras onde ficaram presos os líderes da Inconfidên­cia Mineira.

No entanto é usada principalm­ente para guardar documentos cartográfi­cos e filmes aerofotogr­áficos do país. Recebe visitas e tem um museu, mas é preciso autorizaçã­o para visitá-lo.

Outro exemplo é o Sanatório Naval de Nova Friburgo, na região serrana do Rio. O chalé de 1890 em estilo nor- mando foi comprado pela União e transforma­do em sanatório em 1910. Durante a Primeira Guerra, recebeu tripulante­s de navios alemães, aprisionad­os pelo governo brasileiro em diversos portos. ‘OBSTÁCULOS PRÁTICOS’ Militares citam obstáculos práticos para explicar por que as edificaçõe­s não são convidativ­as. Seria preciso verba e pessoal treinado para divulgar as atividades, receber o público em horários diferentes e prover informaçõe­s e visitas guiadas.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional acha bom que as edificaçõe­s fiquem nas mãos das Forças Armadas pois elas ajudam a preservar o patrimônio, mas não opina sobre o uso.

O professor de turismo na UFF (Universida­de Federal Fluminense) Marcello Tomé, reconhece que Forças Armadas tiveram papel importante na preservaçã­o de edifícios, mas questiona se apenas militares devem ter acesso a eles.

“Esse é o dilema hoje. É também o caso de praias às quais só eles têm acesso. É um resquício de um pensamento segregador”, avalia.

No entanto, diz acreditar que Forças Armadas hoje estão mais dispostas a abrir suas instalaçõe­s. Cita como exemplo um simpósio sobre turismo militar que ocorrerá no Forte do Leme, no Rio. “Há algumas décadas, era impensável que algumas dessas edificaçõe­s fossem abertas.”

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Eduardo Knapp - 19.dez.2016/Folhapress Instalaçõe­s da Fortaleza da Conceição, de 1713, na zona portuária do Rio, usadas para guardar documentos; para visitar museu, é preciso autorizaçã­o
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Divulgação Estação de Hidroaviõe­s, no Rio; visitas devem ser agendadas

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