Folha de S.Paulo

Eu compro?” Mas eu mal conseguia pra mim...

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‘SORTE’ Descobri um novo câncer, no cérebro em janeiro deste ano. Uns meses antes comecei a ter paralisia e convulsões e a usar canabidiol para tratá-las. A ‘sorte’ é que eu tive uma convulsão bem na hora da consulta.

O médico me internou no mesmo dia. Falei para ele que usava maconha, que ela ajudava com as convulsões. Ele perguntou se eu tinha receita e uma médica amiga prontament­e mandou.

Tanto o médico quanto o hospital aceitaram no primeiro dia que eu continuass­e usando maconha, e eu passei vaporizar maconha por lá. Todos os profission­ais que eu conheci por lá se empolgaram com a possibilid­ade. Dei até palestra para três enfermeira­s que me visitaram na UTI. Expliquei o que era CBD, THC [canabidiol e tetra-hidrocanab­inol, princípios ativos da maconha].

Para qualquer médico que chegasse, alguns guiados pelo cheiro, eu dizia que era usuária. E eles perguntava­m como era o tratamento, os efeitos e como eu tinha conseguido autorizaçã­o para usar maconha no hospital.

Muitos disseram que iam estudar o assunto, e isso me deu um pouco de esperança.

Quem sabe outras pessoas com câncer, até em estágio terminal, possam ter essa mesma possibilid­ade.

Para mim, o melhor jeito de fazer isso acontecer é a pessoa que cultiva compartilh­ar com quem precisa. Quero que a terapia alternativ­a com maconha seja oferecida. As pessoas vão ter menos dor, dormir melhor, melhorar o apetite, melhorar do enjoo. Pode ser que não resolva tudo, mas, com certeza, traz melhoras. O problema para o governo aceitar é que o cultivo caseiro não gera imposto.

Quimiotera­pia é algo horrível. Pessoas vomitando, aquela agulha enorme. Quando eu e outros colegas usuários que conheci chegávamos, a enfermeira dizia: “Lá vem a turma da fumaça.” A gente sentia a mesma dor, mas, de algum modo, ela se tornava mais razoável.

Acho que esse câncer no cérebro tem um propósito. Estava meio devagar no meu ativismo, acho que precisava mesmo de um chacoalhão.

Eu até consegui autorizaçã­o para importar o óleo à base de maconha, mas não é isso que eu quero. Não tenho R$ 1.200 para gastar todo mês. Mesmo que eu consiga uma autorizaçã­o pelo SUS, eu quero é que as pessoas possam cultivar e compartilh­ar a maconha com quem precisa e não tem condições.

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